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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Identidade Secreta - Romance - baseado em lembrança celular de transplante

IDENTIDADE SECRETA

Anne Marie Winston

Comentário de Paulinho geller: Muito me emocionou este romance, pois
apesar de ser ficção, e eu sei disso, baseia-se em algo pelo qual
passei, o transplante, no caso do livro, cardíaco, e no meu renal e
pancreático.
Nos faz pensar no assunto, das lembranças deixadas do doador,
Lembranças não como as do livro, mas lembranças de quem foi a pessoa e
que mesmo depois de morto, suas partes ainda estão vivas e fazendo bem
a alguem, ajudando-o a viver..
Obs, é um belo romance e contém algumas passagens bem eróticas que só
vem ainda mais à abrilhantar o romance.


Prólogo

- Fico contente por ver que você está a ir muito bem, senhor Mclnnes - o médico escreveu uma receita. - É um bom sinal, vinte e quatro meses depois do transplante.
O coração parece funcionar optimamente. Esta é outra receita para os seus medicamentos contra a rejeição. Alguma pergunta?

Gray pegou no papel que o médico lhe entregava.

- Obrigado - acariciou a zona em redor da cicatriz que marcava o sinal onde batia o coração do doador. - Alguma vez ouviu dizer que...? Algum outro receptor lhe
terá comentado... que sentia coisas estranhas depois do transplante?

O médico parou de ordenar o historial clínico de Gray e olhou-o fixamente.

Coisas estranhas? Como por exemplo?

Gray encolheu os ombros. Sentiu-se ridículo por falar no tema.

- Na verdade, não é nada. Algumas coisas que não me aconteciam antes. Comida de que não gostava e que agora gosto...

O médico sorriu, sem deixar de olhar para ele.

- Talvez gostasse de falar com outros receptores. Temos um grupo de apoio que colabora com o hospital - hesitou um instante. - Há provas, obtidas de comentários
de pacientes, de que por vezes
as recordações são transplantadas com o órgão. Chama-se memória celular. Um paciente descobriu que adorava polvo frito e outro que agora gosta de cerveja, quando,
antigamente, não a suportava.

"Mas quantos lembram uma cara?", questionou-se Gray.

"Quantos recordam uma voz e tem recordações íntimas de uma mulher em particular que não conhecem?"

- Obrigado disse em voz alta. - Vou pensar no assunto.

- Reúnem-se todas as terceiras quintas de cada mês, parece-me - o médico olhou dissimuladamente para o relógio. - É tudo?

Mais uma coisa. Gostaria de agradecer pessoalmente à família do doador. Já sei que é contra as normas...

O médico abanou a cabeça antes de ele terminar a frase.

- Já sabe que o programa de transplantes tem normas de confidencialidade muito restritas. Pode escrever uma carta e os encarregados do programa fá-la-ão chegar à
família. Pode colocar o seu nome e telefone. Se eles quiserem entrar em contacto, pode fazê-lo.

- Já fiz - tinha escrito um bilhete uma semana depois do transplante, mas não tinha dado o seu nome. - Gostaria apenas de conhecê-los. Nem que fosse só vê-los ao
longe.

Talvez escrevesse outra carta com o seu nome. O médico sorriu, compreensivo.

- É muito louvável que queira expressar o seu agradecimento, mas há famílias que não podem
suportar que lhes recordem o que perderam. Para eles é excessivo encontrar-se de repente com alguém que tem um órgão de um ente querido.

Compreendo - Gray falou com um tom calmo, embora por dentro gritasse que queria saber quem era a mulher que não lhe saía da cabeça. Obrigado.

- De nada. Continue assim. Acho que nunca vi um paciente com um coração transplantado que estivesse em tão boa forma física. É claro que você tinha uma saúde muito
melhor, exceptuando as mazelas do acidente, que a maioria das pessoas da lista de transplantes.

Gray assentiu com a cabeça.

- Por agora, sinto-me optimamente. "Tirando que aparentemente tenho a memória de outra pessoa além do seu coração".

- Não hesite em contactar-me de imediato se tiver febre ou se se passar algo inesperado. Senão, vejo-o dentro de seis meses para o exame e a biópsia.

O médico levantou-se e estendeu-lhe a mão, que Gray apertou. O médico saiu do quarto e Gray tirou a camisa do cabide onde a colocara para que o médico o examinasse.
Apercebeu-se de que tinha a receita na mão e deixou-a sobre a mesa para vestir-se.

Ao fazê-lo, olhou para um historial clínico. O seu historial. Hesitou, enquanto os seus princípios se debatiam com a necessidade de saber mais, mas agarrou-o e abriu-o.
Deu uma olhadela às primeiras páginas e não encontrou o que procurava, mas, pelo menos, soube que o coração do doador tinha saído do Hospital John Hopkins, em Baltimore,
para o Hospital de Temple, em Filadélfia, onde ele o tinha recebido.

Ao fim de alguns momentos, enquanto abotoava as mangas, o médico voltou a entrar e pegou no historial enquanto abanava a cabeça.

- Acho que preciso de alguns desses comprimidos para a memória que toda a gente toma disse, com um sorriso forçado. - Cuide de si, senhor Mclnnes.
Capítulo Um

Concede-me esta dança?

Catherine Thorne, que estava a falar com a sua sogra, voltou-se lentamente para olhar para o desconhecido. A verdade é que ela começara a coscuvilhar com Patsy quando
aquele homem se levantou para atravessar a sala, por isso ele sabia que não interrompia nada de importante.

Passara a noite a observá-lo, embora ela não soubesse quem ele era. O baile de beneficência para o programa de doadores estava aberto a toda a gente.

-Agradeço-lhe... mas não danço.

Catherine esboçou um sorriso forçado. Adorava a sua sogra, com quem continuava a ter uma relação muito próxima, apesar da morte de Mike, o marido de Catherine, e
sabia que Patsy tinha boas intenções. Aquela boa mulher dissera-lhe muitas vezes que ela era demasiado jovem para esconder-se, que Mike teria desejado que saísse
e encontrasse alguém para partilhar a sua vida, mas ela preferiria que a sua sogra deixasse de tentar casá-la. Durante os último seis meses apresentara-lhe uma série
de solteiros.

Pousou lentamente a mão na que o homem tinha estendido e olhou-o nos olhos enquanto sentia que o calor do contacto lhe alterava o ritmo cardíaco.
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Obrigada... será um prazer...

Tinha os olhos mais azuis e mais escuros que já vira na sua vida e o olhar era tão intenso que se esqueceu do que tinha dito. Ele olhava-a penetrantemente, quase
indiscretamente, como não deixara de fazer desde que os seus olhares se haviam cruzado no princípio do serão.

Quem era ele?

Agarrava-a pela mão com força enquanto a acompanhava à pista de dança. Quando ele se voltou e a enlaçou, ela não conseguiu evitar ficar nervosa. Desde a morte de
Mike que não dançava nem estava nos braços de um homem.

- Sou inofensivo - sussurrou-lhe ele ao ouvido, enquanto a conduzia ao compasso da valsa.

Ela olhou-o, incrédula. -Ai é?

Ele arqueou as negras e espessas sobrancelhas e sorriu.

- Mais ou menos. Chamo-me Gray Mclnnes.

- Muito prazer em conhecê-lo, senhor Mclnnes
- replicou ela, tentando não ligar à sensação que sentira nas entranhas quando ele sorriu. Eu chamo-me...

- Catherine - finalizou ele. Catherine Thorne. Ela esboçou um sorriso inexpressivo para que não se notasse o quanto a sua proximidade a alterava e a forma de dizer
o seu nome como se fosse interminável.

- Está em vantagem, senhor Mclnnes. Conhecemo-nos?

- Ele negou com a cabeça.

- Não, mas foi-me muito fácil saber o seu nome, bastando perguntar quem era a bela mulher vestida
de azul. Você organizou o baile e quase toda a gente a conhece.

Era verdade, mas ela tinha a sensação que essa explicação tão amável escondia alguma coisa.

- Você é de Baltimore, senhor Mclnnes?

Ela concentrava-se numa conversação trivial para tentar não pensar nos músculos que sentia perfeitamente sob o smoking impecável.

- Por favor, chama-me Gray. Sou de Filadélfia, mas mudei-me para Baltimore há duas semanas. Cresceste aqui?

- Sim - ela inclinou a cabeça. - Em Columbia, fora da cidade.

Ele conduzia-a em círculos e ela sentia-se pequena em comparação com o seu poderoso corpo. Media quase um metro e setenta centímetros e nunca se tinha sentido baixa.
O seu marido, Mike, media mais de um e oitenta, mas tinha um corpo esbelto e atlético. Gray Mclnnes era uns quinze centímetros mais alto que Mike e caso não tivesse
sido jogador de futebol americano tinha perdido uma oportunidade de ouro.

Movia-se com uma ligeireza incrível para um homem tão grande e conduzia-a com muita desenvoltura.

- Daria qualquer coisa para saber o que pensas. Disse-o num sussurro profundo e ela sentiu um estremecimento em todo o corpo. Riu-se e tentou apagar qualquer rasto
de intimidade.

- Não vale nada. Estava a pensar em quanto gosto de dançar.

Então, deverias fazê-lo com frequência.

- Sou viúva. Não tenho muitas ocasiões - as palavras, ditas em voz alta, pareceram-lhe atrevidas e muito dolorosas.
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- Lamento. Há quanto tempo faleceu o teu marido?

Embora as palavras fossem convencionais, ele não parecia surpreendido com a confissão. Talvez tivesse ficado a saber quando soube o seu nome.

- Há dois anos - respondeu ela. - Mais tempo do que aquele que estivemos casados.

Ele agarrou-lhe a mão com mais força durante um instante.

- Foi algo inesperado?

Um acidente de carro. Um camião empurrou-nos para fora da estrada.

O rosto de Gray alterou-se.

- Estavas com ele?

Ela assentiu com a cabeça.

- Mas o choque foi só do lado dele abanou a cabeça. - Lamento. Não é a conversa mais apropriada para um acto social.

Não te preocupes - a valsa deu lugar a um ritmo mais rápido, mas ele não a largou. Imagino que não tenhas filhos...

- Tenho! - sorriu de orelha a orelha como sempre fazia ao lembrar-se de Michael. - Tenho um filho. Nasceu depois da morte do seu pai. Já tem quase dezassete meses.

Gray Mclnnes ficou estupefacto, com os braços em volta dela. Abriu os olhos de par em par e ela chegou a pensar que as suas palavras o tinham impressionado.

- O teu marido sabia?

- Não. Eu própria só soube depois do acidente. Gray parou e ela olhou-o com preocupação.

- Sentes-te mal? - perguntou-lhe.

Não. Estou bem - continuava a olhá-la com
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aqueles olhos penetrantes. - Deve ter sido muito doloroso.

Ela conseguiu sorrir, embora os meses de gravidez tivessem sido horríveis por causa da morte de Mike, e por saber que o seu filho cresceria sem pai.

Foi. Mas também foi um presente incrível.

- Não consigo imaginar tudo aquilo por que tiveste de passar.

Ela voltou a sorrir e interpretou literalmente as palavras.

- A gravidez não foi muito mau, mas teria prescindido do parto.

- Não me surpreende - Gray sorriu e os seus olhos brilharam. - Queres continuar a dançar?

Ela assentiu com a cabeça e entraram numa parte mais mexida do baile, mas ela sentiu que ele parecia diferente. Que lhe teria passado pela cabeça durante os últimos
minutos? Não podia deixar de pensar que tinha algo a ver com a conversa sobre o seu filho. Talvez ele também tivesse passado por uma morte recentemente e estivesse
sensível.

Disse para si própria que era uma parvoíce, que não lidava com homens há muito tempo e que tinha perdido a prática.

Dançaram até a canção acabar. Ela sabia que não deveria estar demasiado tempo com ele e dar-lhe esperanças, mas há muito tempo que não dançava e era um dançarino
magnífico. Não se parecia em nada com o seu marido, dançava muito melhor que Mike, mas agarrava-a de um modo que fazia com que se sentisse óptima. Como se sentia
nos braços de Mike. Era bastante desconcertante e quando se apercebeu, afastou-se.
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- Ai, será melhor voltar para a mesa. Sinto-me culpada por deixar a pobre Patsy sozinha.

Ele acompanhou-a à mesa e verificou que não só Patsy não estava sozinha como tinha encontrado uma das suas melhores amigas. Duas cabeças fantasticamente penteadas
estavam inclinadas e juntas, mas ergueram-se e separaram-se assim que viram que eles se aproximavam. A amiga de Patsy, sócia do clube de bridge, sorriu e levantou-se
para voltar à sua mesa.

Catherine fez as apresentações da praxe e Gray ajeitou a cadeira para que se sentasse.

- Por favor, faça-nos companhia - convidou Patsy. - Catherine e eu passamos muito tempo juntas. Precisamos de um cavalheiro elegante.

Gray sorriu e mostrou uns dentes brancos e perfeitos.

- Se estão sozinhas é porque querem. Duas damas tão encantadoras como as senhoras poderiam ter todos os homens à sua volta, se assim o desejassem.

Patsy riu-se abertamente e Catherine deu-se conta, aterrada, de que a sua sogra estava a namoriscar com Gray Mclnnes.

- Além de tudo, é galante. Catherine, talvez devesses ficar com este.

- Se calhar, não quer que ninguém fique com ele - argumentou Catherine.

Estava francamente incomodada com o incrível descaramento de Patsy.

Ou talvez queira...

Os olhos de Gray tinham um brilho matreiro, mas também tinham um calor que fez com que Catherine tivesse de olhar para o outro lado.

- Por que veio à gala desta noite? - perguntou-lhe Patsy sem deixar de sorrir.

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Gray encolheu os ombros.

- Não sou daqui e pareceu-me que vir era uma forma de conhecer pessoas, além de ajudar a uma boa causa. Os transplantes de coração salvam muitas vidas.

- É verdade, embora aqui, propriamente dito, não se recolham fundos para os transplantes de coração - disse Patsy, cujo sorriso desaparecera.

- Eu sei - afirmou ele rapidamente. - Só queria dizer...

- Mas tem razão - interrompeu-o Patsy. - Os transplantes de coração podem ser maravilhosos.

Catherine estava imóvel como uma estátua e queria apenas que os seus acompanhantes mudassem de tema.

- Não sei se Catherine comentou, mas o meu filho, o marido dela, faleceu. - Patsy disse-o em voz baixa.

- Sim, ela contou-me. Lamento muito. Patsy esboçou um sorriso breve.

- Obrigada. O meu filho doou o seu coração fez um gesto com a mão que abarcou todo o salão. É uma festa maravilhosa onde se podem recolher fundos para a doação de
órgãos.

Gray engoliu em seco e passou um dedo pelo colarinho como se estivesse demasiado apertado.

- Concordo completamente.

- A única coisa que lamento é não ter conhecido a pessoa que recebeu o coração de Mike continuou Patsy a dizer. - Teria gostado de ver a cara da pessoa que transporta
uma parte do corpo do meu filho.

Catherine fez um gesto de impaciência com a mão, mas conteve-se de imediato e juntou as mãos sobre o colo.
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Isso é impossível, Patsy. Já sabes as normas. É anónimo a não ser que o receptor decida apresentar-se.

Patsy assentiu tristemente com a cabeça.

- Eu sei - olhou para Gray. - Recebemos uma mensagem anónima do homem que recebeu o coração. Era encantadora e teria gostado muito que tivesse querido conhecer-nos.

Gray assentia com a cabeça e com um gesto inexpressivo.

- Catherine não partilha o meu desejo de conhecer o receptor.

Catherine teve vontade de estrangular a sogra.

É que... Mike já não está e há alguém por aí que leva o seu coração. Sinto-me um pouco... ressentida. Já sei que é mesquinho e injusto, mas... tentou sorrir para
suavizar as suas palavras. - Se funciona tão bem, por que não é Mike quem o tem? Lamento, Patsy, mas de momento não quero conhecer essa pessoa.

- Eu também lamento, querida - Patsy tomou as mãos de Catherine. - Não queria parecer insensível à tua dor - sorriu e voltou-se para Gray. - Os transplantes de órgãos
são bastante complicados. E não apenas por uma questão médica.

Gray assentiu com a cabeça. Olhava para as duas mulheres com olhos abatidos.

- É muito complicado, claro.

Catherine sentiu pena. Estava visto que o transplante de órgãos não era algo agradável para ele.

- Gray, vieste a Baltimore em trabalho?

Ele voltou-se para ela com um alívio tão evidente que Catherine esteve quase a sorrir.

- Sim, sou arquitecto e pensei abrir uma sucursal da minha empresa aqui.
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Ah! És esse Mclnnes - exclamou Patsy enquanto se voltava para Catherine. - Gray desenhou um não-sei-quê solar...

Voltou-se para ele a pedir confirmação.

Uma janela.

Tem sido um êxito enorme. Li um artigo sobre ti na semana passada. Ao que tudo indica, a tua janela está a revolucionar a construção com energia solar.

- Talvez.

Ele inclinou a cabeça. Era a imagem viva da humildade, uma imagem difícil de conjugar com a segurança do homem real.

Usas essa janela nos teus projectos? - perguntou-lhe Patsy.

Ele hesitou.

Nem sempre. Gostaria de ser conhecido pela qualidade dos meus projectos, não porque levam algo em particular.

- Fizeste para ti uma casa impressionante que possamos visitar? - Patsy estava imparável.

- Patsy!

Catherine estava estupefacta, a sua sogra era, habitualmente, a imagem da discrição. No entanto, Gray não parecia ligar-lhe.

A triste realidade, senhoras, é que vivo numa casa muito pequena numa zona bastante ruidosa da cidade, enquanto constróem aquela que será a minha casa. Além disso,
o encarregado disse-me na semana passada que estão atrasados, pelo que vou ter de esperar mais do que pensava.

- É uma pena - disse Catherine.

- E absurdo - corrigiu-o Patsy. Não podes viver assim.
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Gray sorriu e encolheu os ombros.

- Posso sim, embora não goste.

- Certamente não passas muito tempo em casa se estás a criar um novo atelier. - comentou Catherine.

- Na verdade, passo. Tenho um director de atelier extraordinariamente competente que se ocupa de todos os assuntos quotidianos para que eu possa continuar a fazer
projectos. O meu atelier privado está na minha casa.

Mas... para o processo criativo é muito importante ter um espaço agradável - objectou Patsy. Eu era pintora até que as minhas mãos me impediram de continuar... -
levantou as mãos e mostrou os dedos retorcidos pela artrite. Sei como pode ser difícil.

Felizmente disse Gray, é algo a curto prazo. O atelier estará a funcionar dentro de dois meses e poderei trabalhar ali até que acabem a minha casa.

- Mas não podes continuar a viver num sítio onde estás desconfortável... oh! - Patsy pôs uma mão no peito. - Tive uma ideia genial.

O tom entusiasmado assustou Catherine.

- De que se trata?

- Gray pode viver na casa dos hóspedes!

- Na casa dos hóspedes? - Catherine não podia acreditar no que tinha ouvido. Mas... a água e a electricidade estão cortadas.

Nem podiam permitir-se fazer novamente os contratos, disse para si própria.

Além disso, a casa dos hóspedes que havia na enorme propriedade que partilhava com Patsy via-se desde a casa principal. A mera ideia de ter
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aquele homem tão perto fazia com que sentisse algo como uma vertigem.

- Um pormenor sem importância. É uma solução perfeita - Patsy voltou-se para Gray. - É uma casa de dois pisos com dois quartos, cozinha completa, salas de estar
e de jantar. Tenho a certeza que é muito maior e mais tranquila que onde vives agora. Seria perfeita para ti!

Catherine pensou que rejeitaria amavelmente a oferta após agradecê-la mil e uma vez.

- É muito generosa, senhora Thorne. Agradecer-lhe-ia eternamente - interrompeu-se. Está mobilada.

Não - Patsy inclinou a cabeça. - É um inconveniente?

De todo. Tenho alguns dos meus móveis na casa da cidade - arqueou as sobrancelhas. - Se está a falar a sério, teria todo o gosto em aceitar.

Catherine olhava-o fixamente. Isso não era o que ele era suposto dizer!

- Maravilhoso - o tom de voz de Patsy indicava que o assunto estava resolvido. Amanhã, mando limpá-la. Poderás mudar-te no princípio da própria semana.

- Quanto é a renda? Patsy agitou uma mão.

- Não é necessário...

Sim disse-o tão rotundamente que, por uma vez, Patsy não parecia disposta a discutir. É sim. Não posso aceitar uma oferta assim. Além do mais, eu encarregar-me-ei
da água e da electricidade.

Bem, se insistes... a voz da mulher era um
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pouco triste. -Já falaremos disso mais tarde e chegaremos a um acordo.

Catherine teve vontade de gritar que isso era impossível mas, na verdade, a casa era de Patsy e ela podia convidar quem quisesse.

Olhou para a sua sogra com a intenção de que interpretasse a mensagem que estava a enviar-lhe no olhar. Que sabia ela de Gray Mclnnes? Lera algo sobre ele, mas seria
isso suficiente? Que tivesse patenteado uma invenção não o transformava em alguém aceitável.

- Como acabamos de conhecer-nos - disse Gray, - parece-me que o correcto será dar-lhe algumas referências minhas. Vou enviar-lhas na segunda-feira.

Catherine pensou que era como se lhe lesse os pensamentos, mas havia um que não conseguira captar. Como reagiria Michael? Teria Patsy pensado que a presença constante
de um desconhecido poderia afectar o seu filho? Gray gostaria de crianças? Patsy prometera-lhe silêncio e havia vezes que Michael era tudo menos silencioso. Ela
também não iria estar todo o dia a calar o seu filho porque o vizinho precisava de paz para trabalhar.

Respirou fundo para acalmar-se. Esse Mclnnes tinha algo que a desconcertava, mas não sabia o que era. Era como se os seus olhos azuis trespassassem a máscara que
inventara para si própria e que chegavam à mulher insegura que era na verdade. Era como se a conhecesse, embora tivesse a certeza de que nunca se tinham visto. Era
um homem que não se esquecia facilmente.

Gray, que parecia não dar-se conta do que se
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passava pela cabeça de Catherine, pegou numa mão de Patsy e beijou-a.

- Não sabe o quanto lhe agradeço.

Não podia acreditar na sorte que tinha tido.

Na semana seguinte, Gray congratulava-se com essa sorte enquanto comandava a mudança dos seus móveis e da mesa de desenho.

Tinha ido à festa de beneficência com a única intenção de conhecer a mulher dos seus sonhos. Sonhos? Ela não vivia nos seus sonhos, ela estava na sua memória e sabia
exactamente onde chegara.

Era a viúva de Mike Thorne. Catherine. Deleitou-se com cada sílaba. Não viu o seu nome no historial médico, mas viu o nome do hospital que enviou o seu coração num
helicóptero. O coração tinha de ser recente porque só poderia ser utilizado no prazo de seis horas, pelo que o doador teria de ter morrido no mesmo dia do transplante
nalgum local da região de Baltimore. O resto foi fácil.

Acedeu à Internet e procurou no jornal mais importante da região. Soube assim que leu a notícia da morte de Mike Thorne. O coração saltava-lhe do peito enquanto
lia o artigo que descrevia um homem que encaixava nas suas características. Até que leu o nome dela: Catherine Schumaker Thorne.

Catherine. Nem Cat nem Kitty. Simplesmente, Catherine.

O nome evocara-lhe a imagem desfocada de um sorriso doce, umas pestanas escuras e uns olhos azuis que levavam meses a tomar conta dos seus pensamentos. Subitamente,
conseguiu imaginar o seu rosto com uma clareza cristalina, como
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se estivesse a vê-la. Era real ou estava a enlouquecer? Durante dias passou o tempo a pensar numa maneira de conhecer Catherine Thorne para conseguir saber se só
estava a sonhar acordado. Até que leu que ia realizar-se aquele baile de beneficência, embora não tivesse ideia do que lhe diria se a encontrasse à sua frente.

"Olá, tenho o coração do teu marido e parece-me que te conheço".

Ela fugiria a correr de medo. O artigo dizia que ela estava no comité organizador e ele presumiu que assistiria ao baile. Mesmo que não falasse com ela, saberia
pelo menos se era a mulher cuja imagem o perseguia.

Mas o seu plano acabou por ter uma falha. Era ela. Não conseguiu desviar os olhos dela desde que os seus olhares se cruzaram por entre a multidão. Percebeu que a
conhecia. Conseguia lembrar-se do seu cheiro e do seu tacto. Até conhecia o sabor característico de Catherine. Uma parte dele queria ficar com ela porque era sua
mas, na verdade, nunca tinha sido sua.

Sabia que a importunara e lamentava-o, mas não o suficiente para não aproximar-se dela.

No entanto, como poderia lidar com esta situação? Mike Thorne devia ter amado aquela mulher com todo o seu coração, mas o coração de Mike Thorne estava no peito
de outro homem.

No seu peito. Ele desejava a mulher de Mike Thorne com toda a sua alma e o pior de tudo era que ela não sabia e nunca o saberia. Não poderia sabê-lo, disse para
si próprio ao recordar a reacção dela quando ponderou conhecer o receptor do coração do seu marido.
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-Olá!

Gray olhou na direcção da voz e viu Patsy Thorne. A sogra de Catherine cumprimentava-o vigorosamente com a mão desde a galeria de uma grande casa de azulejos que
havia do outro lado da piscina.

- Olá, senhora Thorne.

- Chame-me Patsy! Vens comer?

Disse-se que não deveria fazê-lo. Já tinha terminado a mudança e dar-lhe-ia jeito começar a instalar-se, mas... talvez pudesse ver Catherine e, para ser sincero
consigo mesmo, desejava-o.

- Agradeço-te.

Contornou a piscina e subiu pelo caminho de pedras que passava entre os jardins tão elegantes quanto descuidados.

- Fico muito contente - disse Patsy enquanto ele se aproximava. - Catherine saiu para um almoço e a ama acaba de deitar o meu neto para a sesta. Não tenho nada que
fazer. Distrai-me um pouco.

Gray sorriu embora se tenha sentido muito decepcionado ao perceber que Catherine não estaria com eles. Patsy era irresistível. A sua mãe tinha morrido há alguns
anos e, mesmo não tendo a serenidade desta nada a ver com a exuberância de Patsy, ambas se pareciam no facto de que todos os que as rodeavam se encontravam imersos
em amor e carinho.

Adoro essa ideia.

Gray ofereceu-lhe o braço e deixou que ela o introduzisse na casa.

- Que te parece Catherine?

Patsy não esteve com rodeios enquanto se acomodavam no terraço, onde havia tigelas com consommé,
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sanduíches deliciosas de salada de pepino e ovo cozido.

Aline, a governanta, não se alterou de todo quando Patsy o apresentou e lhe disse que ele ficaria para comer. Ele lembrou-se de que deveria elogiar a comida.

Gray sorriu a Patsy e ela retribuiu-lhe o sorriso com um brilho de alegria nos olhos.

- Fazes isto com todos os homens que ela conhece?

- Sim, mas estás a fugir à pergunta.

- Catherine é linda, mas não estou certo que seja tão impressionante como tu, vestida de cor de rosa.

Patsy riu-se enquanto acariciava o vestido que parecia saído de uma festa campestre do século passado.

- Adulador.

- Sincero - brindou com o copo de água. Esta casa é muito bonita. Tenho de confessar que não sabia se tinha feito bem ao aceitar tão rapidamente, mas agora, talvez
tenhas de pôr-me fora daqui à pancada.

- Era a casa da família do meu marido os olhos de Patsy desceram. - Giles morreu repentinamente há uns anos.

Gray sentiu pena ao dar-se conta de que ela sobrevivera tanto ao Seu marido como ao único filho que tivera, por isso pegou-lhe na mão.

- A tua cara diz-me que foi um casamento feliz. Deves ter muitas saudades.

- Todos os dias - limitou-se ela a dizer. - Mas às vezes fico contente por ele não ter tido de sofrer com a morte de Mike.

- Deve ter sido horrível.
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Esteve quase a acrescentar "mami", mas conteve-se. O seu filho chamava-lhe "mami" a ela ou era uma expressão que o seu subconsciente tinha decidido que se encaixava
na confusão que começavam a ser as suas recordações?

Ela assentiu, com a cabeça e os lábios trémulos. Levou um guardanapo aos lábios com as mãos envelhecidas e cuidadosamente arranjadas e esperou uns segundos.

- Foi o pior que me aconteceu na vida. Não sei o que teria feito se não tivesse Catherine - a dor dos seus olhos dissipou-se um pouco. - Ficamos a saber que estava
grávida quando estavam a fazer-lhe exames no hospital após o acidente. Depois do enterro, e quando começou a passar pela comoção de tudo, compreendemos que tínhamos
de estar agradecidos por ter aquele presente póstumo de Mike.

- Aposto que o teu neto deve ser um miúdo mimado e insuportável.

Gray piscou-lhe o olho e sentiu-se aliviado quando ela lhe sorriu e o ambiente voltou a ficar mais relaxado. Estava com vontade de saber algo mais sobre ele.

- Não quando Catherine intervém - disse-o com um sorriso carinhoso. É uma mãe muito boa.

- Como Patsy é uma "mami".

Catherine entrou no quarto com um sorriso resplandecente e beijou Patsy na face. Saudou-o com um cumprimento muito educado com a cabeça.

"Mami"... Não tinha enlouquecido. Porém, olhava para aquela mulher e sentia-se como um lobisomem que se esforçava por não uivar à lua.
Capítulo Dois

Catherine vestia um vestido de Verão azul-claro, cingido ao corpo, e levava o cabelo loiro apanhado no alto da cabeça. Aquele penteado austero não favorecia nenhuma
mulher, a não ser Catherine, mas ela não era uma mulher qualquer. Ressaltava-lhe a beleza clássica das suas feições, os traços bem desenhados das maçãs-do-rosto
e queixo, os lábios carnudos e perfeitamente delineados e os seus enormes olhos azuis.

Estava fascinado com aqueles olhos. Não eram de um azul escuro vulgar como os seus, mas de um tom mais claro e delicado que se iluminava com a alegria e a brincadeira,
tal como com o carinho quando estava relaxada e feliz. Apesar de se terem conhecido em pleno Verão, tinha uma pele branca como o leite que se tornava ligeiramente
rosada nas maçãs-do-rosto. Soube, sem ter de acariciá-la, que era sedosa, que era tão suave atrás dos joelhos como na deliciosa curva onde o pescoço se encontrava
com os ombros.

No entanto, isso era impossível. Não conseguiria sabê-lo. Embora tivesse uma segurança íntima que ia para além do desejo imaginário. O seu corpo também o sabia,
disse-se, contrariado, enquanto agitava as pernas sob a mesa.

- Chamavam-me "mami" - disse Patsy. - Ficou
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depois de Mike começar a balbuciar. Ele chamou-me assim durante toda a sua vida e Michael também o faz agora.

Gray assentiu com a cabeça distraidamente sem poder afastar o olhar de Catherine.

- Eu sei.

- Tu sabes? - o tom de voz de Catherine era tão penetrante como o olhar que lhe lançou. - Como sabias? Nem sequer conheces Michael.

Ele encolheu os ombros, impressionado com a rapidez dela e com o facto de ter posto a pata na poça. Teria de ter mais cuidado se não queria que ela suspeitasse de
algo. Sentiu-se muito orgulhoso; ela tinha sido sempre muito esperta...

- Senhor Mclnnes... - o tom de Catherine era interrogativo, mas tão penetrante quanto antes.

- Perdão. Estava distraído.

- Como sabias que chamamos "mami" a Patsy? Não era uma pergunta muito subtil.

- Querida, se calhar ouviu alguém dizê-lo no baile - interveio Patsy. - A verdade é que só falo de Michael. Com certeza, Gray ouviu-me contar uma história a alguém
sem dar-se conta sequer de que o tinha ouvido.

Patsy sorriu e olhou impacientemente para os dois.

- Tu mesma o disseste há bocado - disse Gray a Catherine. - Devo ter presumido que era como o teu filho chama a Patsy.

- Sim - sussurrou ela.

Não estava nada convencida mas Gray deu-se conta de que não queria incomodar a sua sogra.

- Que tal foi o almoço? - perguntou-lhe Patsy, despreocupadamente.
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A cara de Catherine iluminou-se como se se tivesse esquecido de algo durante um momento.

- Maravilhoso! Tenho algumas notícias apaixonantes.

Desabotoou o casaco azul e tirou-o deixando à vista uma camisa de alças de seda cor de marfim. A seda deixava entrever uma espécie de body de renda que lhe prendia
os seios. Gray desejou que não tivesse tirado o casaco. Ela pô-lo nas costas da cadeira e sentou-se antes que Gray conseguisse levantar-se para ajudá-la.

- O conselho de administração do museu ofereceu-me um lugar como directora executiva.

Patsy sorriu ligeiramente.

- Que bom, querida voltou-se para Gray. Catherine trabalha como voluntária em várias organizações.

Gray compreendeu que a mulher não tinha entendido o que Catherine lhe dissera.

- Mas isto não é um trabalho de voluntária esclareceu Catherine. - Serei directora executiva e terei um salário. Além disso, continuarei a ocupar-me da recolha de
fundos.

Parecia emocionada.

- Parabéns - felicitou-a ele. - Quais serão as tuas funções?

Supervisionarei o pessoal, gestiono o orçamento e trato da publicidade mas vou, principalmente, concentrar-me em recolher fundos.

- Como é financiado o museu? - perguntou-lhe Gray.

- Com fundos federais, estatais e locais - respondeu ela.

Gray teve a sensação de que ela não gostava da
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sua participação na conversa, embora não tivesse feito ou dito algo descortês.

- Campanhas especiais - continuou Catherine, festas, doações, entregas de fundos... O museu, como qualquer instituição sem fins lucrativos, recebe dinheiro de muitos
sítios.

- Em Filadélfia fui membro de alguns conselhos de administração - disse Gray. - Tenho alguma experiência em conseguir fundos de gestão.

Lembrou-se que tinha de fazer uma doação anónima ao museu.

- Catherine... - a voz de Patsy denotava alguma preocupação. - Queres dizer que vais trabalhar?

- Sim - o tom de voz de Catherine era firme. - É só em part-time. Posso fazer algum trabalho em casa enquanto Michael dorme a sesta, por isso acho que não há nenhum
problema. Aline e tu não precisam ajudar Michael mais do que já ajudam.

- Não é por isso, mas... eu nunca trabalhei na vida.

Gray compreendeu que Patsy não estava a ser esnobe nem displicente; não compreendia, de facto, porque Catherine desejava trabalhar.

Patsy, será como um trabalho voluntário, mas com mais entrega - explicou-lhe Catherine com paciência. - Prometo-te que não vou roubar tempo às outras coisas que
faço, nem a ti nem a Michael.

Aquilo pareceu tranquilizar a sua sogra.

- Sabes - disse Patsy, - como Gray é novo aqui, deverias ir jantar com ele um dia destes e explicar-lhe as organizações que temos; talvez ele gostasse de associar-se
a alguma.

- É uma excelente ideia, Patsy Catherine não parecia muito sincera.
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- Amanhã estou livre.

Gray não sabia porque dissera aquilo. Talvez fosse porque queria que aqueles olhos azuis voltassem a fixar-se nele em vez de passar-lhe ao lado como estavam a fazer
há algum tempo.

- Lamento, amanhã tenho coisas para fazer replicou Catherine. - Talvez noutro dia.

- Tens coisas para fazer? o tom de Patsy era de decepção. Querida, não sabia, achava que quarta-feira era o dia que passavas em casa. Prometi a Birdie que a convidaria
com o seu grupo de bridge.

Era isso que queria dizer - tranquilizou-a Catherine. Quarta-feira passo o dia todo com Michael.

Gray achou engraçado ver o tom rosado com que ficavam as faces de Catherine ao dizer uma mentira.

Noutro dia então.

Os seus olhares voltaram a encontrar-se e ele sorriu amavelmente.

- Sim. Claro - Catherine levantou-se e agarrou o seu casaco. - Tenho de ir ver como está Michael. Muito prazer em vê-lo, senhor Mclnnes.

- Gray - corrigiu-a ele enquanto se levantava. Chame-me Gray, está bem?

- Gray - ela estava a meio do caminho quando se voltou e olhou para ele. - Adeus.

- Ena... - sussurrou Patsy. - Esta tarde está um pouco... nervosa. Não sei se isso do trabalho será uma boa ideia.

Ele poderia ter-lhe dito exactamente porque estava nervosa, mas não pretendia perturbá-la. Catherine Thorne não se sentia nada confortável com ele, mas era demasiado
bem educada para
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mostrá-lo. Saltavam faíscas quando os maravilhosos olhos dela se cravavam nele e, embora não tivesse a certeza do que se estava exactamente a passar, começava a
ter a certeza, de facto, de uma coisa: Catherine atraía-o em todos os sentidos. E não era apenas porque tinha recebido o coração do seu marido. Era a sua pulsação
que se acelerava quando ela entrava no quarto, era a sua boca que secava como se fosse uma pedra, era o seu estômago que se encolhia de desejo.

Reconheceu que isso poderia ser um problema e lembrou-se como reagira ela quando a sua sogra falara sobre conhecer o receptor. Ele nunca poderia dizer-lhe que tinha
o coração do seu marido.

Na noite seguinte, enquanto entrava no seu quarto, Catherine pensou que, graças a Deus, Gray empenhara-se em ficar encarregado da electricidade e da água da sua
casa. Não sabia como explicar a Patsy que não tinham dinheiro para gestos de generosidade.

Levantou o cabelo com agilidade e apanhou-o com ganchos. Acabava de dar de jantar a Michael e não podia perder nem um minuto. Foi até ao armário enquanto se perguntava
que andava a sua sogra a tramar, como se não fosse perfeitamente claro. Patsy tinha chegado ao jogo de bridge e dirigira-se directamente à casa dos hóspedes. Quando
voltou, comentou despreocupadamente a Catherine que Gray jantaria com elas.

Jantar! Suspirou com desespero. Não podia culpar Patsy; a sua sogra não percebia as dificuldades económicas que ela enfrentava todos os
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dias. Para ela, o mais natural era ser hospitaleira com o seu convidado. Patsy queria que Aline fosse comprar um pedaço de carne que era demasiado caro, mas Catherine
dissera-lhe que tinha feito Frango à Kiev, um prato cujos ingredientes já tinham em casa. Além disso, aquela era a noite em que Michael costumava jantar com elas.
Como havia um convidado, Catherine dera-lhe de jantar antes e tinha pedido a Aline que lhe desse banho nesse dia, em vez de fazê-lo na sexta-feira, quando ela costumava
ter compromissos e jantava fora.

Um jantar. Em vez de estar com Michael, teria de pôr a mesa na sala de jantar, cortar flores e puxar o brilho às pratas que quase nunca usavam. Patsy, naturalmente,
não pensava nessas coisas. A sua sogra nascera na opulência e os empregados ocupavam-se de detalhes chatos, como o trabalho. Não era uma pessoa descortês ou insensível.
Simplesmente, tinha sido educada assim: elegante, distinta, mimada. Por vezes, sobretudo ultimamente, Catherine dava graças a Deus pela sua educação pouco refinada.
Se não tivesse tido a experiência de poupar cada cêntimo, não sabia o que seria de Patsy, de Michael, dela mesma.

Tinha a certeza de que Patsy não teria sabido o que fazer quando soubesse que Mike investira quase todo o dinheiro num negócio que os deixara praticamente arruinados.
O único consolo era que a casa estava livre de encargos e que se conseguisse fazer frente aos gastos para viver e aos impostos, também conseguiria conservá-la. Embora
tivesse de dizer a Patsy que existia a possibilidade de a perderem.
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Suspirou. Um jantar com Gray Mclnnes. Já era suficiente que Patsy tentasse organizar-lhe planos quando estavam em público, mas dessa vez ia levar-lhe um homem a
casa.

Mike tinha morrido há dois anos. Durante o primeiro ano e meio nem sequer lhe passou pela cabeça olhar para outro homem. Limitara-se a sofrer e a ocupar-se do seu
filho. Quando se apercebeu da sua situação económica, dedicou-se por completo a tentar manter o barco a flutuar sem preocupar Patsy desnecessariamente, que não tinha
cabeça para os números e parecia incapaz de compreender a necessidade de apertar o cinto.

Porém, desde há uns meses, Patsy começara a preocupar-se pelo facto de Michael crescer numa casa cheia de mulheres. Tinha organizado uma conspiração com as suas
companheiras de bridge, os seus pares no golfe e as suas amigas de almoços para apresentar-lhe netos, sobrinhos, afilhados, vizinhos, advogados, contabilistas e
qualquer homem de que se lembrassem.

Ela conseguira esquivar-se a quase todos, embora se tenha encontrado com três desconhecidos. Um dos encontros foi tão horrível que nunca se esqueceria.

Tirou um vestido negro e vestiu-o, calçou umas sandálias, parou um instante e respirou fundo. Tentou acalmar-se e disse-se que não resolveria nada chateando-se.

Além disso, sabia que Patsy não queria incomodá-la. Aquela boa mulher recebera-a na família com tanto carinho que, por vezes, parecia-lhe a sua mãe. Ao pensar na
sua mãe, que morreu quando ela nasceu, os seus pensamentos evocaram, inevitavelmente,
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o seu pai. Voltou a respirar fundo e os olhos ficaram-lhe banhados de lágrimas.

Tinha sido bibliotecário na universidade e vivia no seu mundo, mas gostava muito de Catherine, tal como ela dele. A sua morte, quando ela estava no último ano da
universidade, fora devastadora. A única coisa que fez com que superasse tudo foi Mike, que conhecera uns meses antes. Pareceu-lhe natural recorrer a ele quando ficou
a saber das dívidas de jogo do seu pai e pareceu-lhe ainda mais natural aceitar o seu pedido de casamento uns meses mais tarde. Ainda sentia muita falta dele. Quando
ele morreu, ainda nem estavam casados há um ano.

Voltou a suspirar e olhou-se no espelho de corpo inteiro para assegurar-se que não tinha sinais de lágrimas. Não queria que Gray percebesse nenhum sinal de fraqueza.

A campainha da porta tocou com um toque imperativo enquanto ela descia as escadas. Aline cruzou o vestíbulo e Catherine ouviu a troca de cumprimentos. A voz era
inconfundível e sentiu um calafrio na espinha. Que tinha Gray que tanto a alterava? Fora educado e amável no baile. Mesmo tentando, não podia encontrar-lhe uma falha.
Não a tinha comido descaradamente com os olhos, como o idiota com quem tinha saído. Era encantador com Patsy e ouvia-a como se estivesse interessado no que dizia.
Deveria ser o homem perfeito.

No entanto... havia algo que a incomodava. Algo tão profundamente instintivo que não podia ignorar. Tinha a certeza de que não era por ele ser incrivelmente sensual
e atraente, embora isso não lhe passasse despercebido.
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Nesse momento, o objecto das suas preocupações entrou no vestíbulo. Aline fechou a porta.

- Vou dizer à menina Thorne que chegou. Passe para a sala - disse-lhe a governanta antes de voltar a correr por onde viera.

Catherine sabia que Michael estaria a gatinhar pelo chão imaculado da cozinha à procura de alguma gaveta que não estivesse completamente fechada.

Gray começou a cruzar o vestíbulo, mas deteve-se ao vê-la no meio das escadas.

- Boas tardes. Estás mais bela que nunca.

- Obrigada.

Ela inclinou a cabeça e tentou ignorar o rubor de prazer perante aquelas palavras.

Ele também estava impressionante, mas não ia dizer-lho. Vestia uma camisa negra, de mangas curtas e de seda, e umas calças também negras. A combinação era elegante
e despreocupada e incrivelmente atraente. O cabelo negro brilhava-lhe com reflexos azulados e o sorriso era como um corte branco no rosto.

Esperou ao pé das escadas enquanto descia e ela estava consciente de que não lhe tirava os olhos de cima, embora não tivesse olhado para ele, e prestou uma atenção
exagerada a onde punha os pés nos degraus.

- Trouxe-te uma coisa.

Até esse momento, ela não se apercebera de que tinha uma mão atrás das costas.

- Não posso aceitar um presente - disse ela. Ele sorriu.

- Uma mulher que não gosta de surpresas? incrível - tirou a mão com dois pequenos pacotes. -
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É só uma demonstração do meu agradecimento disse-lhe enquanto lhe dava um. - Um para ti e outro para Patsy, em agradecimento da vossa generosidade.

Catherine não sabia o que dizer. Não só se tinha dado um carácter pessoal à situação, como tinha feito com que se sentisse incrivelmente culpada pela sua avareza.
Os remorsos fizeram com que sorrisse, radiante.

- Está bem, nesse caso, aceito com todo o gosto.

Agarrou o pacote, mas ele não o soltou de imediato e os seus dedos roçaram-no enquanto ela levantava os olhos para olhá-lo.

Ele olhava-lhe os lábios.

O tempo ficou suspenso como o pó nos raios de luz que atravessavam a sala.

O seu rosto estava tenso e ela ficou imóvel enquanto ele levantava os olhos até que os olhares se encontraram. Tinha o olhar intenso e voraz e causou-lhe tal efeito
que teve de respirar fundo.

Olá, Gray - a voz alegre e agradável de Patsy ouviu-se vinda das escadas.

Gray mudou a expressão e um distanciamento amável substituiu o desejo. Ela pestanejou quando ele lhe soltou a mão, deu um passo atrás e deixou-lha cair com o pacote
entre os dedos.

Catherine voltou-se para cumprimentar Patsy, respirou fundo e tentou acalmar-se. Aquele olhar poderia tê-la derretido.

- Patsy - Gray tomou as mãos que a mulher lhe estendia e deu-lhe um beijo na face.

Em seguida, entregou-lhe o presente.

- Um presente? Não era preciso fez um gesto com a mão como se se envergonhasse, mas Catherine
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viu que levantava a caixinha e a agitava junto à orelha. - Que será? Tu também tens uma? É fantástico. Bem, entra para tomares algo enquanto cada uma abre a sua.

Patsy entrou na sala. Depois de outro momento em suspenso, Catherine seguiu-a e sentiu-se como uma folha no caminho de um rolo compressor.

Patsy, de imediato, mandou Gray ao bar, onde lhe serviu um pouco de xerez, Catherine não quis tomar álcool.

- Um pouco de água com gás e lima, por favor. Era-lhe estranho voltar a ter um homem em casa.

Vivera sozinha com Patsy o dobro do tempo do que vivera com Mike e, por vezes, nem se lembrava de como era. Pareceu-lhe um pensamento sacrílego ou traidor, mas aquela
situação não tinha ponta por onde se lhe pegasse. Queria gritar, mas sentou-se no banco, forrado a seda as riscas, que estava junto ao piano, alisou recatadamente
a saia e cruzou os tornozelos sem pensar no que estava a fazer.

Manteve os olhos cravados no chão enquanto Gray caminhava pelo tapete persa com a bebida dela e uma igual para ele. A sua enorme mão fazia os copos parecerem mais
pequenos e ela não conseguiu evitar voltar a roçar-lhe os dedos enquanto agarrava a sua bebida. O acto, completamente inocente, pareceu-lhe demasiado tímido para
o muito susceptível que estava perante qualquer gesto dele.

- Vamos, Catherine - Patsy sentara-se num sofá cor de vinho e agitava o pacote no ar. - Temos de abri-los.

Começou a soltar o laço, mas parou para esperar por Catherine. Ela teria dado o que fosse preciso para não ter de abri-lo, mas sabia que a sua sógra
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não compreenderia esse gesto. Soltou o laço, sem vontade, e abriu uma ponta do papel sem rasgá-lo.

- Catherine é uma dessas pessoas que dá má fama ao abrir pacotes - disse Patsy a Gray. - Pode demorar uma meia hora com um só pacote.

Gray sorriu.

- A minha mãe era igual; e também guardava o papel para voltar a usá-lo. Mais: passava-o a ferro para desenrugá-lo.

- Santo Deus! Que aplicada.

Patsy tirou uma caixinha dourada e esperou por Catherine. Em seguida, levantaram as tampas, uma de cada vez.

- Ohhh! - exclamou Patsy. - É absolutamente lindo e delicadíssimo - mostrou um broche em forma de açucena e com um esmalte que dava vida à flor. -Adoro as açucenas...
Obrigada, Gray.

Gray inclinou a cabeça.

- É um prazer, posso garantir-lhe. Agradeci muito a sua oferta de um sítio para viver, mas agora que o vi, agradeço-lhe ainda mais.

- E o que é o teu presente? - Patsy esticou o pescoço.

- Um lírio. A minha flor preferida - olhou para Gray que estava do outro lado da mesa de centro. Também é o meu tom de cor preferido. Muito obrigada.

- De nada - os seus olhos eram calorosos e profundos. - Quando o vi, pensei em ti de imediato.

Por que tinha ela a sensação de que queria dizer exactamente isso? Agitada, olhou para o relógio.

- Meu Deus, Aline vai matar-nos. Será melhor sentarmo-nos à mesa.
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- Onde está o teu filho? - Gray tinha a testa franzida. - Dava por certo que jantaria connosco.

-Jantou antes - disse-lhe Catherine enquanto ele desviava a cadeira de Patsy na cabeceira da mesa. - Costuma jantar às cinco.

Deveria tê-lo imaginado - reconheceu Gray. Estava atrás dela e afastou a sua cadeira para que se sentasse. Ao voltar a colocar a cadeira, inclinou a cabeça e ela
sentiu o seu hálito na nuca. Sentiu um estremecimento por todas as costas.

A recepcionista que tenho em Filadélfia tem dois filhos de três e cinco anos. Ficam furiosos se ela se atrasa com a comida - Gray sorriu enquanto se sentava.

Na mesa, havia saladas e consommé frio e Catherine comeu depressa e deixou que Patsy se encarregasse da conversa durante os dois primeiros pratos. Quando todos já
tinham terminado, pediu desculpas e levou os pratos para a cozinha. Com movimentos ágeis, cortou os peitos de frango que preparara nessa tarde, colocou-os nos pratos,
acompanhou-os de espargos e cobriu-os com molho holandês.

- Posso ajudar?

Catherine estremeceu e só graças aos reflexos de Gray é que a maravilhosa loiça de Patsy não acabou no chão.

- Meu Deus, não esperava que aparecesses tão silenciosamente.

Desculpa - arqueou as sobrancelhas. - Não queria assustar-te. Pensei que poderia dar-te uma mão.

- Não, obrigada. Está tudo sob controlo.

- Estou a ver - tinha os olhos muito escuros e uma ruga separava as sobrancelhas. - Catherine... lamento ter-te causado tantos problemas. Quando
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Patsy me convidou, presumi que vocês tinham pessoas para cozinhar e servir a mesa. Eu não teria...

- Não faz mal - disse ela, apressadamente. Não acho que faça falta gente se só estamos cá Patsy, Michael, Aline e eu. Aline e eu costumamos ocupar-nos das refeições.
Quando damos um jantar ou uma festa, contratamos profissionais, claro.

- Bem, continuo a agradecer-te o esforço que fizeste. Eu não me importaria nada de ter jantado na cozinha.

- Patsy teria um chilique se eu sugerisse que o nosso convidado jantasse na cozinha.

Catherine sorriu. Tinha a certeza que ele apenas queria acalmá-la. Agarrou dois pratos com as mãos, colocou o terceiro no antebraço e fez um gesto com a cabeça para
uma cesta de pão.

-Já que estás aqui, não te importas de levá-la.

- Claro que não.

Pegou na cesta de pão, agarrou a porta que separava a cozinha da sala de jantar e esperou que Catherine deixasse os pratos para voltar a ajudá-la a sentar-se.

- Obrigada - disse ela.

Cada poro da sua pele sentia a sua proximidade e esteve quase a dar um salto quando sentiu o seu hálito na orelha.

- De nada.

A voz era grave e profunda e fez com que essa frase convencional adquirisse um tom tão íntimo que, de imediato, se lembrou de corpos colados e lençóis de seda. Conseguia
imaginar demasiado bem o prazer que poderia alcançar com ele.

Afastou aquelas imagens da sua mente e chamou a si toda a força de vontade que tinha.
Capítulo Três

Ele teria preferido comer na cozinha, pensou Gray, enquanto observava a bela mesa a que acabava de sentar-se. Era indiferente quanto tempo passara desde a última
vez em que tivera que preocupar-se com o dinheiro; no fundo, continuava a sentir-se desconfortável rodeado de tanta riqueza.

Habituara-se a usar casacos de caxemira e não podia negar que gostava de conduzir carros desportivos, dos quais até tinha demasiados. Adorava o Jacuzzi e o ginásio
da sua casa, tal como poder doar dinheiro às obras de caridade que quisesse.

Mas duvidava muito que alguma vez aceitasse que outra pessoa lhe lavasse a roupa e lhe fizesse a comida. A relva era cortada por uns miúdos por uma quantia muito
módica e, mesmo assim, sentia remorsos por não ser ele próprio a fazê-lo. Continuava a desligar as luzes de cada vez que saía de um sítio e nunca deixava a torneira
aberta enquanto lavava os dentes. Preferiria que lhe cortassem uma mão a contratar um mordomo ou um motorista, como as pessoas esperavam que fizesse.

Sem dúvida, era mais um homem de aço inoxidável do que de prata.

Pelo contrário, Patsy e Catherine eram metais
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preciosos. Muito polidas e bem cuidadas. Ainda não percebera se eram ostentosas ou discretas, mas não achava que nenhuma das duas soubesse o que era sair para trabalhar
de manhã sem saber se teriam electricidade quando voltassem à tarde.

Era um jantar interessante. Patsy falou sem parar e passava de contar histórias das suas amigas do golfe ou das suas organizações sociais para historietas do seu
neto.

Ficou a saber que Michael cumprira dezassete meses no primeiro dia do mês, que falava extraordinariamente bem para um menino da sua idade e que só tinha começado
a andar depois de fazer um ano, o que preocupou tanto a sua mãe como a sua avó.

- Ao fim e ao cabo, embora nos tivessem garantido que o menino não ficou ferido no acidente, ficámos a temer que pudesse surgir algum efeito secundário.

- A Patsy sim, estava preocupada - corrigiu-a Catherine. Segundo tudo o que tinha lido, o menino era completamente normal.

- Em qualquer caso, estávamos muito agradecidas por tê-lo - disse Patsy. Voltou a trazer alguma vida a esta casa, que era uma tumba desde a morte de Mike - fez-se
um silêncio e Patsy deve ter-se dado conta de que não escolhera as palavras mais adequadas. - Bem, percebes o que quero dizer.

Gray sorriu para tentar aliviar a tensão do momento.

- Suponho que um bebé ilumine o coração mais negro.
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A palavra coração ecoou-lhe na cabeça e perguntou-se se teria sido o único a pensar imediatamente em transplantes.

És de Filadélfia? - era a primeira vez, desde o baile, que Catherine lhe fazia uma pergunta.

Ele sabia que em grande medida lha fizera para quebrar o silêncio, mas tinha os olhos azuis fixos nele com um interesse sincero.

- Sim.

- Oh! - Patsy sentiu curiosidade de imediato. É uma cidade encantadora e majestosa. -A tua família vive lá?

Ele duvidava que Patsy achasse o seu bairro encantador.

- Não - limitou-se a dizer. - Sou filho único e a minha mãe morreu quando eu estava na universidade.

- E o teu pai?

- Morreu num acidente antes de eu nascer também poderia ter-lhe contado o resto, a sua vida fora publicada em artigos que tinham escrito sobre ele. - Teve conhecimento
da minha existência, mas morreu antes de conseguirem casar-se.

- A tua pobre mãe... - Patsy tinha lágrimas nos olhos. - É horrível perder um homem jovem. Além disso, nessa altura, criar um filho ilegítimo presumia um estigma
muito maior do que hoje em dia.

Gray poderia tê-la beijado. Deveria ter pensado que alguém com um coração tão bom como ela não o julgaria. Poderia ter-lhe contado uma infinidade de exemplos sobre
o difícil que fora para a sua mãe e para ele, mas Catherine emitiu um som como se se tivesse engasgado. Gray olhou para ela
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e ela estava corada e olhava para a sua sogra com uma expressão de escândalo. Deu-se conta de que estava... estava incomodada por ele, porque a sua sogra lhe chamara
bastardo, embora o tivesse feito com a melhor das intenções. Gostou que ela se preocupasse com os seus sentimentos, mas havia vezes em que não pensava no que dizia.
Teve de conter uma gargalhada.

- Tenho o mesmo nome do meu pai - disse para dissimular o riso. Ele chamava-se Gray.

Catherine aclarou a garganta.

- Então, o meu filho e tu têm algo em comum. Vocês os dois têm os nomes dos vossos pais e ambos nasceram após a sua morte.

Gray assentiu com a cabeça sem saber muito bem o que fazer com aquela conversa.

- Os meus pais também morreram - continuou a dizer ela com uma voz tranquila e bem modulada. - A minha mãe morreu jovem, como o teu pai, e não a conheci. Perdi o
meu pai quando estava na universidade. Foi... terrível.

- Davam-se bem?

Ela assentiu com a cabeça e os olhos fixos na mesa.

- Muito. Fiquei destroçada.

Mas Mike tratou dela - interveio Patsy com um tom doce. - Casaram-se quando ela se licenciou e eu ganhei a nora mais maravilhosa do mundo.

Catherine sorriu forçadamente, enquanto se dirigia à sua sogra.

- Eu também tive muita sorte. Patsy foi uma mãe para mim.

- Sabes uma coisa, Gray? - disse Patsy, enquanto
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barrava de manteiga, minuciosamente, uma torrada. - Parece-me uma parvoíce que prepares sozinho o teu jantar. Que tal jantares connosco todas as noites?

A proposta foi tão inesperada que o deixou desconcertado.

Não quereria abusar - respondeu prudentemente sem olhar para Catherine.

Sabia perfeitamente o que ela estava a pensar.

Não é um abuso - afirmou Patsy alegremente.
- Na verdade, acho que seria uma forma maravilhosa de Michael se habituar a ter um homem em casa.

Catherine arqueou as sobrancelhas.

- Por que tem de habituar-se a ter um homem cá em casa? - perguntou com um tom delicado.

- Bem, querida, tenho a certeza de que te casarás um dia - respondeu-lhe Patsy.

Gray olhou para Catherine e ela sorriu enquanto abanava a cabeça.

- Patsy não descansará até que eu volte a casar-me.

- Bah - Patsy agitou uma mão. - Só quero o melhor para Michael e para ti.

Gray não pode deixar de rir-se.

- Presumo que Catherine resolverá o assunto quando lhe parecer oportuno - disse ele.

Obrigado - havia um certo tom de desesperação na voz de Catherine.

- Então, jantarás connosco enquanto estiveres aqui? - insistiu Patsy.

Gray compreendeu que era obstinada.

- Adorarei vir de vez em quando - condescendeu ele para que Catherine não ficasse aborrecida
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- mas prefiro não comprometer-me a vir todos os dias. No entanto, muito obrigado pela oferta.

Queria tanto conhecer o filho de Catherine que não aguentava mais. No entanto, não podia entrar na casa para conhecer Michael sem incomodar ou sem inventar uma desculpa
que Catherine descobriria.

Passaram três dias antes de conseguir conhecer o filho do homem que lhe dera o seu coração. Também foi a primeira vez que voltou a ver Catherine desde que Patsy
o convidara para jantar.

Ele estava no quarto que preparara como atelier. Estava a trabalhar no projecto de uma casa de três pisos que um actor lhe encomendara para um terreno no Colorado.
Estava a correr-lhe muito bem e pensava apresentá-lo a um prestigioso concurso de arquitectura. Além disso, não tinha nem uma só janela solar, disse-se com satisfação.

Apreciava bastante todas as vantagens que tinha a sua invenção, mas começava a cansar-se de que lhe encomendassem casas com quatrocentas dessas janelas pelas fachadas.

Estava a desenhar um salão quando ouviu uma voz estridente. Levantou-se, foi até à janela aberta e afastou as cortinas.

Catherine caminhava por um dos caminhos empedrados do jardim. Vestia umas calças caqui, umas sandálias e uma camisa azul-clara. Tinha o cabelo apanhado num rabo
de cavalo bastante solto. Junto a ela, agarrado à sua mão, um menino, com um andar desengonçado, com umas
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jardineiras e uma cabeça cheia de caracóis loiros.

Gray agarrou-se ao peitoril da janela e sentiu-se invadido por uma onda inesperada de orgulho.

Quase no mesmo instante, afastou-se da janela, tomado pela emoção. Que se passava com ele? Tinha lido as teorias sobre a memória celular nos transplantes, sabia
que havia provas empíricas que as apoiavam, mas o que sentira não era memória, fora uma reacção.

Tomou um momento para tentar compreender, mas não conseguiu encontrar uma explicação lógica. Sentia-se como se tivesse assimilado parte da alma de Mike Thorne, como
se realmente se tivesse emocionado ao ver o seu filho pela primeira vez. Mas isso era impossível.

Ou não era?

O riso penetrante de um menino tirou-o dos seus pensamentos, desceu as escadas de dois em dois degraus e abriu a porta da rua.

- Olá, Catherine.

Iam desviar-se por um outro caminho e ela teve de olhá-lo por cima do ombro. Não foi um gesto de sedução, mas os olhares cruzaram-se e Gray sentiu como se rebentasse
por dentro. Teria sentido ela o mesmo?

- Olá, Gray.

Adorou como soava o seu nome dito por ela, mas foi uma sensação longínqua. Estava concentrado no menino, que se voltou para olhá-lo.

- Olá - disse amavelmente, enquanto se agachava para estar à altura da criança.

Custava a falar. Notava uma opressão no peito e teve que aclarar a garganta. Não entendia porque
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se sentia assim, mas estava visto que se sentia esmagado por conhecer o filho de Catherine.

O menino soltara-se da mão da sua mãe, pusera-se atrás dela e olhava-o por entre as suas pernas. Olhava-o com uma expressão séria, até que um sorriso travesso iluminou
os seus olhos azuis. Olhou para a sua mãe.

Quem é?

O senhor Mclnnes - respondeu-lhe Catherine. - Vai ser nosso vizinho durante uma temporada.

- Senho Mac - disse o menino com um ar satisfeito.

- Mclnnes - repetiu Catherine.

- Mac insistiu o menino com um sorriso. Gray riu-se.

- Mac serve perfeitamente - disse a Catherine, sem desviar os olhos do menino. - Como te chamas?

O miúdo meteu o polegar na boca e sorriu, mas não disse nada.

- Diz como te chamas ao senhor Mclnnes - interveio Catherine.

- Mac!

- Isso, diz a Mac como te chamas.

- Maicol.

- Muito prazer em conhecer-te, Michael Gray estendeu a mão. - Dás-me a mão?

O miúdo apertou-lhe a mão vigorosamente e os caracóis agitaram-se. Voltou a pôr-se atrás das pernas da sua mãe, mas Gray viu que sorria.

- Muito bem Gray levantou-se.

Estava a bater-lhe o sol e refugiou-se automaticamente à sombra. Um dos efeitos secundários
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dos medicamentos que tomava era que aumentavam o risco de cancro de pele.

Vais passear? - perguntou-lhe Catherine.

Ela assentiu com a cabeça enquanto remexia os caracóis do seu filho.

- Michael adora ir passear ao ar livre. Se o deixasse, passaria o dia a esgravatar a terra.

- Esgravatar! - o miúdo ouvira a única palavra que lhe interessava. - Esgravatar, já.

Catherine riu-se e despediu-se com a mão de Gray.

- Muito bem. Despede-te do senhor Mclnnes.

- Adeus - disse-lhe por cima do ombro enquanto arrastava a sua mãe.

Gray ficou onde estava com os olhos cravados na mulher e no seu filho até que desapareceram por uma curva sombria do caminho. Ela tinha um riso maravilhoso e não
sabia o quanto este o afectava.

"Ele estava junto à chaminé numa festa com alguns amigos. Três raparigas jovens entraram e pararam ao lado de uma árvore de Natal para dar uma olhadela como fazem
as pessoas quando entram num sítio e tentam ver quem lá está. A mais baixa reconheceu um rapaz e foi ter com ele, seguida pelas outras duas. Apresentaram-se uns
aos outros. Um dos rapazes disse uma piada e elas soltaram uns risinhos. Ele achava que as raparigas que se riam daquela maneira eram tontas, mas a de cabelos loiros
tinha um riso lindo e ele quis ouvi-lo outra vez. Chamava-se Catherine e aproximou-se dela sem hesitar.

- Olá, Catherine, chamo-me Mike Thome. Queres beber algo?
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Ela olhou para ele e ele ficou enfeitiçado por uns olhos tão azuis e puros que o conquistaram por completo.

Quando voltou a conseguir pensar, a primeira coisa que lhe veio à cabeça foi que se casaria com ela.

- Demónios!

Gray levou as mãos à cabeça sem conseguir acreditar nisto. Deu-se conta de que estava de joelhos no meio do caminho, mas não se lembrava de se ter ajoelhado. No
entanto, recordava perfeitamente a cena que acabava de ver na sua mente...

Abanou a cabeça, aturdido. Nunca tinha pensado que tinha muita imaginação, mas ainda menos pensara que precisaria de um transplante de coração aos trinta anos para
tê-la.

Era um disparate.

Levantou-se, limpou as calças e lembrou-se que havia uma maneira de saber se estava a sonhar ou não.

- Eia, Catherine!

Desceu pelo caminho antes sequer de pensar que poderia ser má ideia.

Quando chegou até eles, Catherine e Michael estavam na relva macia. O menino foi até uma zona de jogos que havia no extremo do jardim.

- Catherine - repetiu ele.

Ela voltou-se, surpreendida por vê-lo.

- Sim... Gray hesitou.

- Vai parecer-te uma pergunta estranha, mas... como conheceste o teu marido?

O sorriso tornou-se hesitante e a dúvida reflectiu-se nos seus olhos.
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- Efectivamente, é uma pergunta estranha.

- É uma aposta com um amigo - improvisou Gray sem afastar os olhos do miúdo para que ela não notasse a sua inquietude. - Pergunto a toda a gente que conheço.

- Ah A sua expressão acalmou-se e voltou a sorrir. - Bem, se é uma questão científica... Voltei a casa para passar o Natal do último ano de universidade e fui a
uma festa com umas amigas. Mike estava ali. Entramos em sintonia de imediato riu-se e, como na vez anterior, o som tocou-lhe um nervo tão profundo que teve de fazer
um esforço para concentrar-se no que dizia. - Mas a história de Patsy é completamente diferente. Ela e Giles, o pai de Mike, eram vizinhos e ele não parava de meter-se
com ela e chateá-la. Ela não podia suportá-lo.

- Então, como acabaram por casar-se? - perguntou Gray.

Queria que ela continuasse a falar para dissimular a impressão que tivera ao confirmar-se o que já sabia.

- Chamaram-no para a tropa. Escreveram-se cartas e ela garante que se apaixonou à distância. Casaram-se três dias depois de ele voltar a casa, no final do primeiro
ano.

Mamã... empurra.

A voz gritante de Michael fez com que os dois fossem até ao menino que tentava subir a um balance.

-Voujá, Michael.

Gray ficou de lado, enquanto Catherine montava o filho no balance para crianças.

- Não! - protestou Michael. - Lancegandi!.
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- Está bem - Catherine tirou-o do banco e pô-lo no seu colo num dos balances grandes. - A mamã vai balançar contigo.

Agarrou o menino com um braço e começou a balançar-se impulsionando-se com os pés.

- Mac, empurra.

Gray pensou, divertido, que Michael sabia muito bem como era o assunto dos balances.

- Claro pôs-se atrás deles. - Agarra-o - avisou a Catherine.

- Que vais...? Gray! - foi um alarido.

Gray puxou o balance e soltou-o. Não foi muito alto, mas Michael ria-se e gritava.

- Mais.

Ele obedeceu e empurrou-os durante um bocado até que Michael começou a agitar-se. Catherine parou o balance e deixou-o no chão. Ele saiu disparado até uma zona de
terra que havia ao lado. Catherine desceu do balance e caiu-lhe ao chão um envelope que levava no bolso de trás das calças. Uns pedaços de papéis, alguns deles como
se fossem recortes de revistas, caíram dispersos pelo chão e ela agachou-se para apanhá-los.

Gray ajudou-a e percebeu que eram cupões de desconto. Sorriu, os cupões lembravam-lhe a sua mãe.

- Não é preciso... começou ela a dizer, mas ele deu-lhe um punhado de cupões que resgatara à leve brisa. - Obrigada - estava corada e voltou a metê-los no envelope.
- São para o lar de idosos.

Ah - observou-a enquanto guardava tudo no envelope. - A minha mãe era a rainha dos cupões. Não conheci ninguém que conseguisse esticar tão bem um orçamento como
ela.


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Catherine suavizou a expressão.

- Os cupões podem ser muito úteis para alguém com pouco dinheiro.

Ele assentiu com a cabeça.

- É muito atencioso da tua parte.

Ela hesitou e Gray perguntou-se que estaria quase a dizer, mas ela desviou a atenção para Michael que deixara-se cair num monte de terra.

- Michael, não comas a terra.

Gray riu-se ao ver que o rapaz tirava um punhado de terra da boca com uma expressão de culpa.

- Alguns de nós comem. Ela também se riu.

- Uns mais que outros - disse ironicamente enquanto ia até ao filho. - Não posso tirar-lhe os olhos de cima. Quer provar tudo.

- Não me esquecerei disso.

Catherine sentara-se na beira do recinto de terra e ajudava o seu filho a encher um balde. Sorriu-lhe e ele quase sentiu a pulsação parar-lhe. Ela era maravilhosa.

- Obrigada - disse ela. - Não queremos distrair-te do teu trabalho. Tentarei que não grite.

- Não me incomodam.

- Mac! - o miúdo apontava-lhe o dedo e ele agachou-se com um sorriso.

- Que se passa, amigo?

- Mac - Michael ofereceu-lhe uma das pás de brincadeira.

O seu vocabulário podia ser limitado, mas o significado era muito claro.

- Muito bem - Gray pegou na pá. - Queres que te faça um castelo?
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- Os olhos do miúdo brilharam e mostrou uns dentes pequenos e perfeitos.

- Uhhh!

A terra estava fria graças à sombra de umas árvores e um pouco húmida pela chuva da noite anterior. Era perfeita para dar-lhe forma.

Gray agarrou um balde e começou a enchê-lo. Michael juntou-se a ele de imediato e bateu na superfície quando ficou cheio. Gray virou-o com cuidado e quando o levantou,
uma torre perfeitamente redonda erguia-se sobre a terra que Catherine alisara. Repetiram-no diversas vezes como se fosse uma fortaleza e Gray fez uns muros entre
as torres. Tinha praticamente acabado de desenhar as telhas da última torre quando se deu conta de que Michael perdera o interesse e estava a encher um camião vermelho
de terra. Sentou-se sobre os calcanhares e limpou as mãos à roupa. Olhou por cima da cabeça de Michael para Catherine.

- Parece-me que o grupo de construção terminou por hoje.

Ela sorriu carinhosamente e olhou para o seu filho.

- A sua capacidade de concentração deixa algo a desejar. Segundo li, concentrar-se durante pouco tempo é uma questão de idade... Michael! gritou imperativamente.
Não...

Gray voltou a cabeça e viu o miúdo sentado no meio do castelo.

-te sentes aí - acabou Catherine com um tom resignado.

Gray olhou para ela atentamente enquanto ela levantava o seu filho e lhe sacudia a terra. Ele não
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tinha estado muito tempo com crianças, mas supunha que o comportamento de Michael era normal. Michael estava a divertir-se e não parava de rir-se. Escapou-se da
sua mãe e foi para a relva à procura de outra aventura.

Catherine olhou para Gray por cima das ruínas do castelo. Os seus olhos brilhavam de alegria e a ele pareceu-lhe muito divertido. Ela rebentou numa gargalhada e
ele seguiu-a.

Catherine riu-se até que lhe brotaram as lágrimas.

- A tua expressão não tinha preço - balbuciou ela entre gargalhadas. - A tua obra-prima, destruída por umas fraldas malcheirosas.

- Valeu a pena garantiu ele quando conseguiu falar. - Apercebeste-te de como estava contente com ele mesmo.

Catherine assentiu com a cabeça, sem deixar de rir-se.

- É um bicho. Quando vejo esse brilho nos seus olhos, sei que está a tramar algo.

- Não me posso esquecer disso.

Catherine parou de rir e houve um silêncio cúmplice enquanto olhavam para o miúdo que caminhava vacilante e balbuciava algo num idioma incompreensível. Ela suspirou.

- É muito engraçado. Parte-se-me o coração ao pensar que vai crescer sem conhecer o seu pai e que Mike não poderá partilhar estes momentos comigo.

O tom de voz não era lamuriento mas reflexivo.

Gray teve de morder-se a língua para não dizer-lhe a verdade, mas qual era verdade, perguntou-se a si mesmo. Ela pensaria que estava louco e,
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se calhar, era verdade. Como poderia saber coisas tão íntimas só por causa de um transplante de coração.

O transplante de coração. Tudo se passou enquanto jogava rugby. Recebeu um pontapé em pleno peito que lhe partiu as costelas e lhe afectou o coração. Passou de ser
a viva imagem da saúde para entrar numa lista de transplantes com pouca esperança em que chegasse um coração compatível a tempo.

Que volta do destino fez com que Mike Thorne morresse num hospital de Baltimore, a menos de uma hora de helicóptero do hospital onde ele agonizava? Além disso, como
era possível que, ainda por cima, os seus corações fossem perfeitamente compatíveis?

Era motivo quase suficiente para acreditar na predestinação. A única coisa que sabia com certeza era que desejava Catherine, que a desejava mais do que sonhara alguma
vez desejar uma mulher.

No entanto, não podia tê-la. Nunca poderia explicar-lhe porque mantivera o transplante e tudo o resto em segredo.
Capítulo Quatro

"Para o lar de idosos..." suspirou Catherine nessa tarde, enquanto fumigava a roseira trepadora que havia nas traseiras da casa. Realmente, não fora uma mentira.
Dava cupões ao lar de idosos, mas depois de ter decidido quais não lhe serviam a ela.

Sentiu que as faces lhe ardiam ao recordar o sufoco. Ele sorriu, ela pensou que se ria dela enquanto se esforçava por recolher os cupões antes que ele os visse,
mas em seguida falou da sua mãe e percebeu que ele sorria com a recordação. Também teria tido uma infância com dificuldades? Se assim fosse, não parecia tê-lo afectado.

Pensava que a ela também não a tinha afectado. O seu pai gostava muito dela e, apesar da sua inaptidão para administrar o dinheiro, ela também gostara muito dele.
Ainda assim, a sua infância passara-se entre cortes da electricidade e da linha de telefone. Quando cumpriu treze anos, começou a abrir o correio e a recordar ao
seu pai que pagasse pontualmente as facturas. Tornou-se perita em fazer esticar pequenas quantias que ele lhe dava para fazer as compras da semana. Quando ele morreu
e analisou os seus papéis, deu-se conta que estes eram todos apostas em cavalos. Ela nunca tinha ponderado o porquê de nunca terem
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dinheiro, considerando que o seu salário de bibliotecário seria insuficiente. Comprovar que ele era viciado no jogo revoltou-a mas não diminuiu o seu amor por ele.

Foi para a universidade com uma bolsa e ia a casa vezes suficientes para assegurar-se que o seu pai não estaria sem água ou luz. A sua universidade era muito exclusiva
e era frequentada por muitos filhos das famílias mais influentes da Costa Este. Alguns eram simpáticos, mas outros eram demasiado conscientes das diferenças de posição
social com os outros alunos. Foi difícil para ela superar o facto de que estudava com uma bolsa e, além disso, tivera que trabalhar para conseguir chegar ao fim
do mês.

Depois de casar-se, o dinheiro deixou de ser uma preocupação, mas nunca poderia esquecer-se da humilhação que sofreu por não ter dinheiro para tornar-se sócia do
prestigioso clube feminino para o qual a haviam convidado. Ou por ter de fazer de ama para poder pagar os livros. Ou por ter usado as mesmas roupas durante quatro
anos quando as outras alunas mudavam de modelos em cada temporada. Dissera-se que tudo aquilo não importava, que não queria ser tão superficial quanto as outras
raparigas, que havia coisas mais importantes do que o dinheiro.

E havia. A morte de Mike foi um amargo exemplo da insignificância do dinheiro em comparação com a morte de um ser querido. Mas mesmo quando Mike era vivo e o dinheiro
não era problema, ela nunca fora frívola. Vestia boa roupa, não demasiado chamativa nem à moda, que lhe durava anos e não ia mudar os seus costumes porque a sua
situação económica melhorara.
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Deu graças por aquela atitude porque quando Mike morreu ela comprovou os seus apuros económicos.

- Catherine...

Voltou bruscamente à realidade e deparou-se com Gray a observá-la do caminho com curiosidade.

Ah, olá. Desculpa - disse ela, tentando ignorar a pulsação a acelerar-lhe. - Estava a sonhar acordada.

- Onde está o teu companheiro inseparável? perguntou ele, olhando em volta.

Ela sorriu e apontou para o relógio.

- São oito e meia. Michael costuma deitar-se às oito. Queria fumigar as rosas para que estas não sejam comidas pelos pulgões.

- São lindas. Reparei que tens muitas rosas. Dão muito trabalho, não?

- Sim, mas não faz mal. Gosto muito de jardinagem. Com umas duas horas por semana fica tudo perfeito.

- Pensei que houvesse alguém a tratar disto disse ele com um certo tom de surpresa. - Fazes tu tudo sozinha?.

- Quase tudo.

Manteve o olhar fixo no rosal, embora sentisse as faces a ficarem vermelhas como um tomate. Felizmente, estava a anoitecer e ele não poderia reparar.

- Não é para tanto - continuou ela. - A jardinagem não dá muito trabalho se lhe dedicas um pouco de tempo por semana. Além disso, eu não corto a relva.

Ele abanou a cabeça.
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És uma mulher surpreendente, sabias? Ela negou com a cabeça.

- Não, não sou - deixou os utensílios no cesto que levava.

- Segundo Patsy, és uma mistura de super-heroína e de ama de casa perfeita.

Ela riu-se enquanto se levantava.

- É aterrador.

- Está decidida a que voltes ao mercado. Aproximou-se um pouco e ofereceu-lhe a mão

para ajudá-la, mas ela fingiu não dar-se conta. Tocar em Gray não tinha sido uma boa ideia, sobretudo quando a sua mera proximidade fazia com que todo o seu corpo
ficasse excitado.

- Acha que és demasiado séria para ser tão jovem.

De repente, sentiu-se furiosa. Muito mais furiosa do que as palavras de Gray mereciam e teve de fazer um esforço para conter-se.

- Se sou séria é porque tenho de ocupar-me de uma família e de uma casa - disse de um modo cortante. - Patsy não se apercebe de que alguém tem de ser responsável.

Fez-se um silêncio sepulcral. Os remorsos abriram caminho por entre a fúria, deixando um rasto de vergonha. Patsy adorava-a e dependia dela. Não era culpa sua se
nunca tivera que preocupar-se com o dinheiro, e deveria estar-lhe agradecida por ela preocupar-se com a sua felicidade. Se tinha de culpar alguém pela sua situação...
Não! Não podia continuar com essa linha de pensamento. Fez um esforço por acalmar a ira que ainda ardia dentro de si.

- Lamento - disse em voz baixa.
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Gray voltou a cabeça e, mesmo na penumbra, ela conseguiu notar a intensidade do seu olhar.

Porquê?

- Sabes porquê - disse com um tom cansado de tentar esquivar-se às manobras de Patsy. - Sei que por vezes não tenho sido muito hospitaleira. É que...

Deu-se conta de que estava prestes a fazer uma confidência a um homem que quase não conhecia e mordeu a língua.

É que...? - O tom era profundo e tranquilizador.

Ela suspirou.

- Nada.

Gray ficou em silêncio e ela voltou-se para olhar para o jardim. As flores brancas de uma clematite trepavam pela cerca que rodeava a piscina e brilhavam na penumbra
como se tivessem luz própria.

- É que...? - voltou ele a perguntar.

Nesse mesmo instante, duas grandes mãos caíram sobre os ombros dela e começaram a fazer-lhe uma massagem.

Catherine quase deu um salto para fora do caminho. Não dera por ele aproximar-se. Tentou desviar-se, mas as suas mãos mantiveram o ritmo, os polegares desfaziam
nós na base do pescoço que ela nem sequer sabia que tinha.

Era a primeira vez que a tocava desde o baile e pareceu-lhe algo muito íntimo na crescente obscuridade.

- Não te movas - disse-lhe ele. - Os teus ombros parecem cimento.

E... da... tensão.
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Tinha os nervos mais tensos do que alguma vez tivera. Ficou rígida, em silêncio, enquanto ouvia o roçar dos seus dedos no tecido. Também ouvia a sua respiração no
silêncio que os cercava.

Ele passou-lhe os dedos por baixo do cabelo.

- Que te põe tão tensa? -Tu.

Ele parou imediatamente e ficou calado.

Ela arrependeu-se ao mesmo tempo que falou. Que pensaria ele? Era um convidado da família, nada mais... e nada menos.

- Queria dizer...

- Shhh.

Voltou-a delicadamente, pôs-lhe um dedo sobre os lábios e com a outra mão agarrou-lhe o pescoço pela nuca; os seus enormes dedos entravam pelo cabelo até roçar-lhe
a orelha.

- Sei o que querias dizer. Tu também me pões nervoso.

Ela levantou as mãos e agarrou-lhe os pulsos. Para afastá-los? Ela mesma não sabia.

- Catherine - a voz era rouca e carregada de desejo. - Tenho de beijar-te.

Era uma forma estranha de dizê-lo, mas ela sabia exactamente o que queria dizer. Ele inclinou-se para ela e ela levantou a cara como se algo a obrigasse a fazê-lo.
Agarrou-se aos seus pulsos como se fossem uma tábua de madeira no meio de uma tempestade. Eram fortes e musculosos e ele exalava um cheiro inebriante a virilidade,
uma mistura de água-de-colónia e aroma masculino.

Quando os seus lábios se encontraram, ela soube que ele mentia. Ele era muito mais do que um convidado de Patsy ou um inquilino da casa de
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hóspedes. Era o perigo. Era o desejo. Era tudo o que possuíra e que um instante brutal lhe arrancara. Era pelo que ansiara durante dois anos. Se fosse sincera consigo
mesma, era mais do que isso.

Era um desconhecido que lhe parecia conhecido e, por algum motivo, tinha a sensação de já ter estado nos seus braços. O seu abraço era-lhe familiar, embora o seu
corpo fosse maior e mais forte do que o do seu marido. Rodeava-a ardentemente e apertava-a contra si com força.

Rodeava-lhe as costas com um braço e com a outra mão agarrava-lhe a nuca. Tudo era fácil e fluído, como se tivessem estado assim centenas de vezes e ela sentia-se
relaxada.

Tinha a boca sobre a dela e ele entregava-se cegamente, como se o corpo ganhasse vida com o contacto. Fazia tanto tempo... Não conseguiu evitar um leve som gutural
e uma parte dela, a que não estava concentrada em corresponder aos seus ardentes beijos, não abandonava o seu espanto.

Fazer amor com o seu marido fora sempre divertido e um prazer, mas não fora como aquele maremoto que a arrastava e a transformava numa amálgama de nervos excitados.

Ele roçou-lhe os lábios com a língua e ela estremeceu. O leve contacto fez todo o seu corpo ficar agitado e que os mamilos e as entranhas se contraíssem de imediato.
Os joelhos dela vacilaram e ele abraçou-a com mais força, com um contacto pleno que lhe pressionava a sua virilidade animal contra o ventre. Ela voltou a gemer e
separou os lábios para tomar fôlego. Ele introduziu a língua e deleitou-se com um sabor erótico que a levou a um arrebatador jogo do esconde-esconde.
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Não podia permanecer quieta, não podia deixar de agitar-se nos seus braços, não podia evitar rodeá-lo com uma perna para prendê-lo contra si. Sentia toda a sua dureza
em contacto com o seu suave e palpitante centro e voltou a gemer na sua boca.

Ele desceu as mãos até rodear-lhe o traseiro para manter a firmeza do contacto e desviou a boca.

- Estás a acabar comigo, coração - rugiu ele.

Coração... A expressão carinhosa ecoou no calor da noite. Era precisamente o que Mike lhe chamava.

Mike. O seu marido.

A ideia foi como um jarro de água gelada sobre as chamas da sua paixão. Ficou rígida e desceu as mãos até aos bíceps de Gray para afastá-lo.

Ele não se queixou nem tentou detê-la, o que, de certo modo, desagradou a Catherine. Ela não queria que ele se queixasse, mas também teria gostado que ele tivesse
resistido um pouco a soltá-la.

- Catherine... Lamento.

Gray desviou-se e voltou-se. Estava ofegante e os ombros tremiam-lhe. Só via umas costas enormes e as suas mãos a agarrar-lhe a cabeça. Ela perguntou-se se ele quereria
voltar a abraçá-la tanto como ela queria abraçá-lo sem temer as consequências.

- Não queria que sucedesse...

Por algum motivo, Catherine achou graça e não conseguiu conter um risinho histérico.

- Se foi sem quereres, como será quando quiseres?

Ele voltou-se bruscamente e ela parou de rir no mesmo instante. Conseguia ver os seus olhos a brilharem.
- Eu não... eu não ia tocar-te.

Disse-o com um tom tão desesperado que ela esteve quase a abraçá-lo, mas cruzou os braços para evitar males maiores.

- Não faz mal - disse ela com pouca convicção e consciente de que era desapropriado.

Até que compreendeu que estava a consolá-lo.

- Sim - disse ele com firmeza. - Faz mal sim.

Deu um passo atrás e ela deixou cair as mãos, impotente. Era evidente que não estava contente consigo mesmo e, certamente, também não estaria com ela. As últimas
chamas de desejo, que ainda lhe ardiam no mais profundo de si mesma, apagaram-se definitivamente. A vergonha começava a tomar conta dela, tapou a cara e saiu a correr.

A parede da casa deteve a sua fuga e ela, com a cabeça agachada, procurou o trinco da porta de correr enquanto pedia que a terra a engolisse para acabar com tudo
aquilo.

- Lamento. Eu também não queria que se passasse o que se passou - a voz de Catherine parecia a de uma desconhecida. Devemos manter-nos... afastados. Nada se passará.

Porém, claro que algo se passava, disse-se Gray, caído na cama da casa de hóspedes dos Thorne. O seu corpo ardia só de lembrar a sua pele delicada a acariciá-lo;
precisava tão desesperadamente de um alívio que cerrava os punhos para não acabar por seus próprios meios com aquela situação.

Não queria uma solução temporária. Queria Catherine Thorne na sua cama, rodeando-o com as suas pernas e olhando-o enquanto o aceitava no
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seu corpo excitado. Queria ver o seu sorriso, como se a sua vida ganhasse sentido quando este entrava na sala. Queria poder abrir os seus braços para que ela se
refugiasse neles.

Quando tinha começado a pensar que tudo aquilo era possível? Nunca ocorreria nem poderia ocorrer. Catherine não conseguia suportar a ideia de falar da pessoa que
recebera o coração do seu marido e muito menos conhecê-la. Enlouqueceria se soubesse que tinha dado o beijo mais ardente da sua vida ao homem que tinha o coração
de Mike.

Não queria ter-lhe tocado, nunca deveria ter cedido à necessidade de aliviar-lhe a tensão dos ombros nem de acariciar-lhe a pele sensível da nuca.

Mas fizera-o e ela reagira tão imediatamente, tão plenamente, que ele perdera a pouca objectividade que lhe restava.

Ela estava envergonhada de si mesma e isso era o que mais lhe doía.

Na manhã seguinte decidiu que tinha que rectificar isso de imediato. Nem ao longo do dia, nem ao longo do tempo, mas naquele preciso momento. Não queria que Catherine
se sentisse culpada pelo que se passara.

Tomou o pequeno-almoço, foi até à casa principal e tocou. Ela e o seu filho já estavam levantados. Ao que tudo indicava, estavam a terminar o pequeno-almoço e pediu
aos céus que Patsy não aparecesse enquanto não dissesse a Catherine o que tinha de dizer-lhe.

Então, o olhar de Catherine encontrou o seu através dos painéis de vidro. Sentiu um tal calor que espantou-se que o vidro não derretesse.

Porém, se ela sentira o mesmo, havia-o dissimulado
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muito bem. Afastou o olhar sem mudar de expressão, como se não o tivesse visto. Mas caminhou para a porta e ele soube que ela o tinha visto.

- Bom dia... - moveu a cabeça e hesitou. Posso falar contigo um momento?

Então, foi ela quem hesitou. Olhou por cima do ombro de Michael que estava a atirar os cereais pela bandeja enquanto via um programa infantil na televisão da cozinha.

- Só um momento.

Estava visto que a ideia não a excitava, mas ele sabia que era demasiado bem educada para recusar-se sem um bom motivo.

Catherine saiu, fechou a porta e manteve as mãos atrás das costas e sobre a maçaneta da porta. A posição obrigava-a a ter os ombros recuados e os seios erguidos
contra o fino algodão da camisa.

Enquanto olhava, absorto, os seus mamilos transformaram-se em duas protuberâncias que lutavam por livrar-se da camisa.

Ela soltou a maçaneta, moveu as mãos e fez com que ele a olhasse nos olhos. Estava corada.

- O que se passou ontem à noite não foi culpa tua. Foi culpa minha. Não quero que penses mais no assunto, está bem? - disse Gray.

Ela não se moveu. Nem sequer mostrou o mais pequeno sinal de o ter ouvido.

- Eu é que fui até ti, lembras-te? Tu não fizeste nada de mau.

Ela riu-se, mas não porque achasse graça. Foi um som de gozo de si mesma que se reflectia nos seus olhos.

- Não me obrigaste a nada, precisamente, Gray. Limitaste-te a tocar-me e enredei-me em ti como uma planta trepadora e estúpida, lembras-te?
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Claro que se lembrava. Rodeara-o com os seus braços como se quisesse absorvê-lo e ele esteve quase a ceder ao impulso incontrolável de deitá-la no chão e penetrá-la.
No entanto, não lho disse.

Deixou que as palavras ficassem suspensas por um momento.

- Lembro-me perfeitamente de tudo e passei a noite a lembrá-lo - disse delicadamente e sem desviar os seus olhos dos dela. - Catherine, és uma mulher muito bela
e sinto-me atraído por ti como nunca me senti por qualquer outra mulher, mas...
- não conseguiu conter a mão e passou-lhe a ponta do dedo indicador pela face. - Sei que continuas a amar o teu marido, independentemente do que te diga o teu corpo.

Os olhos de Catherine reflectiram a emoção e encheram-se de lágrimas.

- Lamento - desculpou-se ele.

Inclinou-se para a frente e deu-lhe um beijo na testa. Em seguida, voltou-se e foi-se embora. Desejou tomá-la nos braços e consolá-la. Quis voltar a sentir a sua
boca nos seus lábios, partilhar a paixão que a abrasava, saber que ela sabia quem a estava a beijar. Mas não poderia voltar a acariciá-la. Já ultrapassara os limites
que se prometera respeitar durante as poucas semanas que estaria na sua vida.

Ele talvez abandonasse a vida de Catherine muito em breve, mas ela permaneceria na sua para sempre.

Na semana seguinte, Catherine recebeu o seu primeiro salário. A sua auxiliar entregou-lho num simples envelope branco.
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- Não o gastes todo de uma só vez - disse-lhe, na brincadeira.

Catherine sorriu, mas na sua cabeça estava a calcular para o que poderia dar uma quantia tão pequena. As contas bateriam certo, porque era ela quem se ocupava do
jardim; apenas mantinha Aline para as tarefas da casa, trocara o BMW por outro carro mais pequeno e, nesse ano, não usaria a piscina.

Felizmente, a casa não estava hipotecada, mas teria de reservar algum dinheiro para os impostos.

Entrou no carro, um sedán americano que comprara, e ficou espantada ao comprovar que quase tinha prazer no desafio que representava administrar o orçamento familiar.
Mas tudo seria mais fácil se Patsy não continuasse a pensar que o apelido Thorne era sinónimo de dinheiro.

Suspirou. Era difícil culpar Patsy por não querer enfrentar a verdade. A mulher passara alguns momentos tão amargos na sua vida que Catherine imaginava que não teria
forças para mais nenhum.

A sua sogra perdera três filhos prematuramente, antes do nascimento de Mike. Os seus quadros daquela época eram cada vez mais escuros e atormentados; Mike costumava
dizer que o seu pai chegara a temer que ela se suicidasse. Porém, quando Mike nasceu, ela voltou a encontrar um sentido para a sua vida. Quando o seu adorado marido
morreu, ela continuava a ter Mike para lhe dar forças para seguir em frente. Quando Mike morreu... como teria tudo sido diferente se ela não estivesse grávida.

Vinte minutos depois, Catherine entrava no caminho para sua casa, contornou-a e dirigiu-se para
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à enorme garagem quase vazia, com excepção do Lexus de Patsy e um carro desportivo de Mike que ela queria conservar, de qualquer maneira, para o seu filho. Gray
estacionava na garagem de um lugar que havia junto à casa de hóspedes.

Gray...

Nesse dia, não se permitira pensar nele, mas não conseguira tirá-lo da cabeça durante os cinco dias que haviam passado desde aquela noite no jardim.

Naquela noite... a mera lembrança fazia com que as mãos lhe tremessem. Nunca tinha sentido tal ardor.

No dia seguinte, teve uma sensação embaraçosa de infidelidade desde que acordou até que adormeceu. Ainda por cima, sonhou com ele. Foram uns sonhos eróticos e quase
reais nos quais fazia coisas que nunca fizera com Mike, coisas tão incrivelmente íntimas que ficava corada só de lembrá-las.

Tinha sido muito normal e ajuizada até Gray Mclnnes irromper na sua vida. Nunca tivera sensações nem sonhos como aqueles. Nunca sonhara acordada com fazer amor com
um homem, nunca se perguntara que sentiria ao ter as suas mãos e lábios sobre o seu corpo, nunca se perguntara como seria sem roupa.

Talvez fosse da idade. Por acaso as mulheres não atingiam a maturidade sexual mais tarde do que os homens? Se aquilo era a maturidade sexual, não lhe admirava que
os rapazes adolescentes fossem tão ridículos. Sentia-se como se toda a sua vida pudesse estar controlada por uma única parte ávida do seu corpo.
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Pensou que, de algum modo, era um consolo saber que poderia ser um processo físico que ela não conseguia dominar. Não era Gray. Era a questão da idade. Gray era
o único homem da sua vida, embora apenas tangencialmente. Gray fora o único homem a beijá-la depois da morte de Mike. Não estranhava, portanto, que os seus desejos
sexuais se tivessem concentrado nele.

Mas...

Mike nunca conseguira só com o olhar fazer-lhe as coxas estremecerem e a roupa interior ficar húmida. Sempre a excitara quando faziam amor e aprendera que era o
que mais gostava, mas... ela nunca sentira um desejo tão físico pelo corpo de um homem.

Quando Gray cravou os olhos na sua camisa, ela tivera a ideia disparatada de arrancar-lha e agarrar-lhe a cabeça para que lhe lambesse os mamilos ansiosos.

Seria Gray e apenas Gray? Nessa manhã, tinha estado com o presidente de uma empresa para apresentar-lhe o programa de recolha de fundos e não sentira qualquer necessidade
de atirar-se a ele.

Fechou a porta e encostou-se a ela com as faces, entre as mãos, a arder. Que estava a pensar? Em apenas duas semanas, Gray Mclnnes conseguira que não se reconhecesse
a si própria. Além disso, parecia como se ele a conhecesse muito melhor do que era normal em tão curto espaço de tempo.

"Sei que continuas a amar o teu marido, independentemente do que te diga o teu corpo".

Gray dissera aquelas palavras num tom amável e compreensivo que contradizia a paixão dos seus
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olhos. Ela ficara tão assombrada que não conseguira responder enquanto ele se afastava. Não ficara assombrada por pensar que continuava a amar o seu defunto marido,
mas impressionada ao dar-se conta de que não conseguia recordar claramente as feições de Mike. Impressionada e tão comovida que não pôde evitar que as lágrimas caíssem.

Que se passara? Quando fora a última vez em que tentara lembrar a sua cara? Gray estava certo, continuava a amar Mike, mas como algo do passado. Pensou que tinha
aceitado a viuvez impelida pela vida quotidiana, que tinha aceitado que Mike tinha partido e que nunca voltaria.

O rosto de Gray voltou a surgir-lhe e deu-se conta pela primeira vez de que até já aceitava a possibilidade de algum dia poder ter outra relação, talvez outro casamento.

No entanto, não com Gray Mclnnes. Talvez ele conseguisse fazê-la entrar em curto-circuito, mas não podia correr o risco de ter alguma relação com ele. Só o facto
de tê-lo na casa de hóspedes já poderia fazer disparar os boatos mais desagradáveis.

Não, Gray não estava nos seus planos. Embora talvez... algum dia... ela pudesse encontrar alguém que a fizesse sentir-se tão viva quanto ele lhe fazia.
Capítulo Cinco

No dia seguinte, Catherine desceu as escadas com Michael nos braços. Era quase hora de jantar e Patsy convidara Gray. Ele aceitara com a condição de que não fizessem
nenhum esforço especial. Ela levou-o à letra. Talvez ele mudasse de opinião sobre os esforços especiais quando jantasse com o seu filho, que achava que os talheres
serviam para tocar tambor com a bandeja.

Foi à cozinha para ver como Aline se estava a arranjar e deixou Michael. Dirigiu-se para a sala para assegurar-se de que havia bebidas quando Patsy entrou muito
animada.

- Estou tão feliz que seja quase Verão!

- Eu também - Catherine sorriu à sogra. Adoro que as flores voltem a florescer.

- E as férias estão ao virar da esquina. Imagina como Michael se divertirá na praia.

Patsy referira um assunto incómodo.

- Patsy... - Catherine engoliu em seco. - Este ano só iremos à praia na terceira semana de Setembro. Arrendei a casa a partir do quatro de Julho.

- Tu o quê...? - Patsy olhava-a como se não tivesse ouvido muito bem. - Mas vamos sempre para lá a partir do quatro de Julho, querida. Desde que Michael era um bebé
que nós reservamos sempre as primeiras duas semanas.
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Eu sei - Catherine sentou-se no banquinho em frente da cadeira de Patsy e pegou-lhe nas mãos, - mas sabes que estou a fazer malabarismos com o dinheiro. Pensei que
se a arrendássemos durante a época alta e nós fôssemos na época baixa, que talvez pudéssemos cobrir as despesas e não teríamos de vendê-la. Além disso, também tenho
de ter em conta o meu trabalho. Não posso ir-me embora duas semanas, por isso reservei uma para nós.

Respirou fundo e olhou para as mãos que tinha entrelaçadas. Esperou um turbilhão de queixas, mas apenas houve silêncio. Por fim, olhou para a sua sogra e ficou gelada
ao ver que tinha as faces cheias de lágrimas.

- Patsy! - exclamou.

- Lamento - disse ela, entre soluços. - Não queria parecer indiferente ao dinheiro, mas tenho umas recordações tão boas da praia e estava a desejar ver Michael na
areia. Sinto como se faltasse um século até Setembro.

- Serão apenas mais duas semanas de espera disse Catherine firmemente.

Custara-lhe muito tomar a decisão porque não queria ser ela a romper uma tradição dos Thorne.

- Claro - Patsy levantou-se. - Tenho a certeza de que tens razão.

Foi lentamente até à porta que dava para o vestíbulo.

- Onde vais? - perguntou-lhe Catherine. - O jantar é servido já de seguida e Gray chegará a qualquer momento.

Estava até a contar que Gray a distraísse um pouco depois da comoção.


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Não consigo comer Catherine sentiu os ombros a tremer. - Por favor, apresenta as minhas desculpas a Gray. Vou deitar-me.

Catherine sentiu a alma cair-lhe aos pés. Decerto, estaria a brincar.

- Mas tu adoras que Gray venha jantar. Não quererás perdê-lo, pois não? - reparou que lhe falava num tom bajulador, mas Patsy não se demoveu.

- Até amanhã, querida.

Fez-se um silêncio sepulcral e Catherine ficou em pé, ouvindo os passos da sua sogra a afastarem-se. Sentiu um nó contínuo na garganta. As lágrimas saltaram-lhe
e soluçou de pena.

Sentou-se numa cadeira e agarrou na cabeça com as mãos. Não era justo, pensou, enquanto dominava a ira. Mike nunca comentara as dificuldades económicas e quando
morreu teve a surpresa horrível de aperceber-se de que os investimentos da família tinham sofrido um sério revés.

Poderiam ter poupado, se soubesse. Tinham passado alguns anos com carros caros, pessoal doméstico desnecessário, a dar prendas caras e a fazer férias várias vezes
ao ano. Por que não lhe dissera que tinham de apertar o cinto?

Pensou na expressão de desconsolo de Patsy. Compreendeu que para ele seria horrível confessar-lhe a difícil situação da sua mãe, mas para ela era igualmente difícil.
Sentiu uma estranha compaixão por si mesma. Não podia permitir-se o luxo de lamentar-se muito frequentemente mas, naquele momento... naquele momento!

Lembrou-se das horas que eram. Gray estaria quase a chegar. Levantou-se de um salto para ir ao
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toucador. Não permitiria que ele soubesse que estivera a chorar.

A campainha tocou enquanto atravessava o vestíbulo. Passou os dedos sobre os olhos com a esperança de recompor a maquilhagem.

Ouviu Aline a sair do fundo da casa, seguida de Michael e ela abriu a porta.

- Boas tardes, Gray. Passa, por favor.

Sentiu a mesma sensação intensa e ardente que sentia de cada vez que os seus olhos se encontravam e fez um esforço para que não se notasse.

- Boas tardes.

A sua voz era profunda e tranquila. Sorriu-lhe lentamente e derreteu-lhe as poucas células cerebrais que tinham sobrevivido ao contacto ocular. Porém, o sorriso
esvaneceu-se assim que a observou minuciosamente e franziu a testa.

- Estiveste a chorar?

Não... - alisou a saia cor de alfazema que conjugara com uma camisa cor de marfim. - É uma alergia.

Ele não lhe chamou mentirosa, mas arqueou uma sobrancelha e olhou-a com uns olhos muito expressivos.

- Não me agrada ver-te triste.

O tom de voz teria sido realmente tão íntimo e preocupado ou teria sido ela a dar-lhe um tom que não tinha?

- Presumo que Patsy te terá avisado que achávamos que gostarias de um jantar em família.

Gray vestia umas calças caqui que ficavam justas às suas coxas musculosas e uma camisa branca com o colarinho aberto. Também levava uma forma metálica na mão.
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- Sim, falou-me disso - deu-lhe a forma. Trouxe uma sobremesa caseira.

Ela abriu a forma sem poder resistir à curiosidade e inspirou um aroma delicioso.

- Ohhh! - suspirou. - Bolo de chocolate com açúcar queimado. É o meu bolo preferido desde sempre lembrou-se do outro presente que lhe tinha feito. - Ou tens um informador
ou tens a maior sorte do mundo - disse ela, entre risos. Primeiro, a minha flor preferida e agora a minha sobremesa preferida.

O sorriso de Gray vacilou e os seus olhos adoptaram uma expressão estranha. Pareciam assustados. Seria preocupação? Remorsos? Catherine disse-se que isso era absurdo,
por que iria ter remorsos?

- Boloooo!

Michael e Aline tinha entrado no vestíbulo.

- Olá, Gray. Espero que gostes de carne assada
- saudou-o Aline.

- Adoro. Sobretudo se é tão boa quanto as empadas do outro dia.

Aline sorriu.

- E é - voltou-se para regressar de onde viera. Tenho uns biscoitos no forno.

- Mamã! - Michael comportava-se como se não a visse há anos.

Agarrou-se às suas pernas com tal força que quase a fazia cair.

Gray agarrou-a pelo cotovelo e ela estremeceu com o contacto dos dedos sobre o cotovelo nu.

- Bolo! Bolo! Bolo! - gritava o seu filho.

- Depois do jantar - disse-lhe ela, olhando-o nos olhos.
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O miúdo franziu a testa e ela percebeu o que aí vinha.

- Agora - exigiu ele. Catherine abanou a cabeça.

- Depois de teres jantado.

Michael olhou-a por um instante como se avaliasse as possibilidade de sucesso que tinha e ela percebeu que ele mudara de estratégia.

-Jantar agora!

Gray riu-se.

- Não te dás por vencido, ha? Michael olhou para o convidado.

- Mac janta agora - respondeu, num tom imperativo.

Gray olhou para Catherine.

- Apetece-te jantar já? Ela encolheu os ombros.

- É-me indiferente. Patsy não jantará connosco esta noite. Não se sente bem. Portanto, se não quiseres beber nada, poderemos começar.

- Por mim, está bem - fez um gesto com a cabeça. Patsy sente-se mal?

Catherine assentiu com a cabeça.

Amanhã estará óptima devolveu-lhe a forma, agachou-se e pegou no filho ao colo. - Vamos lavar as mãos.

- Mac lavar - Michael voltou-se para olhá-lo por cima do ombro. Bolo? perguntou-lhe, esperançado.

Gray riu-se.

- Depois de jantar - lembrou-lhe. - Embora me agrade a tua insistência - acrescentou num tom de voz baixo.

Graças à criança, o jantar não foi uma prova tão
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dura quanto temera por causa da ausência de Patsy. Jantaram na cozinha tal como Gray exigira quando Patsy o convidara. Michael brincou com Gray e deixou que este
lhe desse de comer, embora tenha resistido às tentativas da sua mãe para que comesse as ervilhas e as cenouras.

Gray não parou de fazer perguntas sobre o menino e Catherine estava emocionada pelo seu interesse e pela forma como o tratava. Um dia, seria um excelente pai.

A ideia levou-a a outro pensamento mais íntimo. Como seria como amante? As mãos, tão delicadas com o seu filho, eram enormes. Pareciam mais adequadas para a construção
do que para projectar edifícios em papel. Seriam também delicadas com o seu corpo? A pulsação acelerou-se-lhe ao imaginá-lo a abraçá-la, desabotoando-lhe a camisa
com destreza e agarrando-lhe um seio com aquela mão de longos dedos.

- Catherine...

Ela suspirou, olhou para ele e sentiu-se corar. Gray olhava-a com um sorriso de curiosidade e as sobrancelhas arqueadas.

- Em que estás a pensar?

- Em nada.

Sabia que falara de um modo demasiado categórico e voltou a sentir-se embaraçada porque o objecto dos seus sonhos a apanhara em flagrante.

- Muito bem - Gray sorriu.

Catherine passou o resto do serão a conversar sobre Michael. Certamente, seria aborrecido para Gray, mas para ela era o mais importante do mundo e ele teria de acostumar-se
se queria... se queria o quê?
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Estava a enlouquecer com aquelas conjecturas ridículas.

Por fim, Michael terminou o bolo e ela levantou-se.

- Muito bem, amiguinho, é hora de tomar banho - disse-lhe, enquanto o levantava da cadeira.

- Banho! - Michael saiu a correr pelo vestíbulo. Catherine sorriu para Gray.

- Adora chapinhar - de repente, deu-se conta da sua desconsideração. - Oh... Lamento não poder oferecer-te uma bebida ou um café...

- Não tomo nada - Gray fez um gesto com a mão para que não se preocupasse.

- Ah - Catherine olhou para a porta por onde o seu filho desaparecera e perguntou-se que estaria a fazer. Bem, então... Lamento a fuga, mas é importante que se acostume
a ter um horário.

- Poderia...? Quero dizer, importas-te que também vá com vocês? - Catherine ficou surpreendida com a pergunta, mas surpreendeu-a ainda mais que ele ficasse vermelho
como um tomate. Nunca estive com crianças - continuou ele, pausadamente, - e embora não acredites, estou fascinado.

Acredito - disse ela, com desembaraço. - Não me importo nada. Acompanha-me.

Catherine cruzou o vestíbulo e começou a subir as escadas da parte traseira da casa onde estava o quarto e a casa de banho de Michael. Era muito consciente de que
aquele corpo atlético a seguia de perto. A casa de banho pareceu-lhe demasiado pequena para ele entrar com ela.

- A verdade é que me espanta o quão depressa a sua mente evolui disse ela para dissimular os
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nervos. Adoraria que lhe desses banho e que eu assistisse.

Gray arqueou as sobrancelhas.

- Humm. Há algum motivo oculto para essa proposta?

Ela riu-se.

- Podes ter a certeza. Assim não me molharei. Gray riu-se também.

- Obrigado, mas acho melhor por agora que apenas assista.

O miúdo era um verdadeiro selvagem na banheira. Cinco minutos depois, já tinha empapado a mãe, mas ele mantinha-se seco porque não entrou no raio de acção das mãozinhas
de Michael. Catherine ainda tinha a saia e a camisa que vestira para jantar e Gray perguntou-se se teria vestido outra roupa caso ele não estivesse presente. Teria
de dar-lhe uma imagem de confiança, na verdade ela não se importava que Michael a salpicasse e ela mesma brincava com um peixe de borracha que enchia de água e deitava
sobre a barriga do filho.

- Mais! gritava o miúdo de cada vez que ela parava.

Quando o banho terminou e Catherine envolveu o seu filho numa toalha enorme, Gray começou a desculpar-se.

- Bem, espero lá em baixo até o deitares.

- Maconto - disse Michael com toda a firmeza e um sorriso enquanto a sua mãe o levava para o quarto.

- Que disse? - perguntou Gray.

- Um conto - esclareceu Catherine enquanto
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punha umas fraldas e vestia um pijama ao seu filho. - Adora os livros e parece-me que te escolheu para que lhe leias um esta noite.

Gray ficou impressionado.

-Eu?

- Tu Catherine riu-se. Não me olhes com essa cara... O seu livro preferido é o de um cão que se chama Spot e ele sabe-o de cor e salteado. Só tens de passar as páginas
e ler um pouco. Ele completará tudo o que te esqueças.

Está bem. Onde me sento? Ela apontou uma cadeira de baloiço que havia num canto.

- Ele sentar-se-á no teu colo.

Poderia fazê-lo. Ou não? Acomodou-se na cadeira de baloiço e estendeu os braços quando ela se aproximou do menino. Em seguida, Catherine deu-lhe um livro cheio de
cores e Michael disse uma ladainha que Gray não entendeu. Olhou para Catherine, impotente, para que ela o traduzisse.

Ela andava de um lado para o outro no quarto, recolhendo brinquedos e ajeitando os lençóis da cama. Quando se ergueu, Gray comprovou que tinha toda a parte da frente
da camisa empapada e transparente.

Sob a camisa, tinha um sutiã que também deveria ser bastante transparente porque conseguia distinguir claramente a marca escura dos seus mamilos. O tecido cingia-se
a cada curva, a cada protuberância, e marcava o contorno dos seus seios como se não vestisse nada.

Teria sido de cavalheiro olhar para o outro lado e fingir que não se tinha apercebido; no entanto,
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era impossível. Não conseguia desviar os olhos e olhava-a como se estivesse em transe enquanto ela se agachava para apanhar a toalha e os seus seios oscilavam elegantemente
com cada movimento.

Então, Catherine levantou os olhos e surpreendeu-o. Ela mudou de expressão quando os olhares se encontraram e ficou petrificada. Sentiu que ficava corada até ao
couro cabeludo, mas não desviou o olhar. Separou levemente os lábios sem dizer nada e ele viu nos seus olhos a mesma excitação erótica que o invadia. Desejo, ânsia,
luxúria em estado puro e algo mais...

Michael voltou a retorcer-se no colo de Gray sem deixar de dizer frases incompreensíveis. Gray piscou os olhos quando o miúdo saltou sobre a parte mais delicada
da sua anatomia.

Gray tossiu levemente.

- Que está a dizer? - perguntou com um tom rouco e seco como se fosse a voz de outra pessoa.

- Disse-te que adora Spot - ela levantou a toalha e tapou os seios.

- Demasiado tarde - sussurrou ele.

Ela não fingiu não compreender e ficou ainda mais corada.

- És linda - disse-lhe, por cima da cabeça do seu filho.

Michael passava as páginas sem fazer caso dos adultos.

Obri... obrigada - disse ela com um tom sufocado. - É hora de dormir - disse ao seu filho quando este fechou o livro. - Dá as boas noites a Mac.

O rapaz abanou vigorosamente a cabeça, remexeu-se
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no colo de Gray e agarrou-o pelo pescoço com uma força que quase o estrangulava.

Ele agarrou-o instintivamente e emocionou-se ao sentir os bracinhos rechonchudos, ao cheirar o champô e ao ouvir a respiração entrecortada do menino. Fechou os olhos
com força e todos os pensamentos sensuais se dissiparam com a delicadeza daquele momento. Voltou lentamente a cabeça e deu-lhe um beijo nos cabelos doirados.

- És um encanto - sussurrou. Levantou-se cuidadosamente com o menino

nos braços e olhou para a mãe.

- E agora? - perguntou-lhe.

- Agora, deita-lo. Apontou para o berço.

- Boa noite, meu amor - Catherine deu um beijo na cabeça do seu filho. - Deixa-o de costas e dá-lhe a manta com o debrum de seda - disse a Gray.

Ele assim fez e viu como o menino esfregava a face no debrum da manta.

Os seus olhos começaram a fechar-se quase no mesmo momento.

Gray olhou para Catherine com as sobrancelhas arqueadas.

Ela tinha a cara iluminada com um sorriso de ternura e pôs um dedo nos lábios enquanto saíam do quarto.

- Adora passar o debrum da manta pela face. É tiro e queda para que adormeça.

Ele estava surpreendido de quão fácil tinha sido.

- Eu achava que era preciso embalar os bebés para que adormecessem.
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Ela encolheu os ombros.

- Fazia isso quando ele era mais pequeno, mas depois adoptou este costume e eu incentivei-o. O médico diz que é importante que seja capaz de adormecer por si próprio
ela olhou para o outro lado na escuridão do corredor. - Queres beber algo...? Desculpa, esqueci-me que não bebes.

- Não preciso beber nada, mas gostaria de ficar um bocado a falar contigo.

Não lhe disse que queria beijá-la e acariciá-la. Ela escondera-se atrás de um muro de discrição e ele compreendeu que não queria falar do que se passara no quarto
de Michael.

Ela hesitou durante tanto tempo que Gray temeu que fosse rejeitá-lo.

- Eu também gostaria - disse ela, por fim, num fio de voz. Vou mudar de camisa e desço em seguida.

- Não vale a pena mudares de roupa por minha causa- disse Gray, sem conseguir conter-se.

- Faço-o por mim replicou ela com um tom mais firme. Não posso concentrar-me na conversa se há um homem com os olhos cravados no meu peito.

Ele levantou uma mão e passou as pontas dos dedos pela face dela.

- Não é preciso falarmos.

Ela procurou-lhe os olhos e pousou uma mão sobre a dele, não para afastá-la, mas para sentir os seus dedos na escuridão.

- Tenho de conhecer-te melhor - disse ela em voz baixa.

Ele assentiu com a cabeça.

- Está bem.
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Voltou-se e dirigiu-se para as escadas antes que fizesse algo de que se arrependesse. A afirmação dela tinha implícita uma esperança, mas ele não se atrevia a supor
qual seria. Sabia que mergulhara em águas que nunca pensara vir a conhecer, mas isso fora antes de encontrar-se com Catherine, antes de toma-la nos seus braços no
baile e de ter sentido como se ela fosse uma parte dele pela qual ansiara toda a vida.

Ela desceu ao fim de alguns minutos com um casaco de malha que não lhe ficava muito justo nem estava molhado.

- Obrigada por ajudares-me com Michael disse ela ao mesmo tempo que entrava na sala.

- Obrigado a ti por deixares-me ajudar-vos. É um miúdo fantástico.

Ela sorriu com orgulho de mãe.

- É verdade. Ele adorou que estivesse outra pessoa que não Aline, Patsy ou eu na sua rotina do sono.

- Nunca tiveste uma ama?

Não, tirando Aline ou Patsy. Além disso, és o primeiro homem a passar algum tempo perto dele.

As palavras causaram-lhe uma satisfação primitiva que não conseguia definir.

- Ele tolerou-o muito bem - foi a única coisa que conseguiu dizer.

Ela assentiu com a cabeça, aproximou-se do bar e agachou-se para abrir o pequeno frigorífico que havia sob o balcão.

- Queres um sumo ou um refresco? Também há água mineral.

- Água, obrigado.
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Agarrou no copo com gelo e a garrafa que ela lhe deu e sentou-se no sofá.

Catherine enroscou-se no outro extremo do sofá, pôs uns almofadões nas costas e tirou os sapatos.

- Que tal vai a casa?

Ele sorriu e inclinou a cabeça.

- Muito bem. Muito em breve deixar-vos-ei em paz.

- Não te perguntei isso! - parecia aterrorizada por poder parecer grosseira. - Estás contente com o teu projecto?

Ele assentiu com a cabeça.

- Muito. Quando o tiver terminado, trago-o para que tu e Patsy o possam ver.

-Já sei que me disseste que não querias pôr a tua janela solar em todos os teus projectos. Puseste neste?

Ele negou com a cabeça.

- Não. Na verdade, estou a instalar algo novo. Uma janela experimental que acabo de desenhar. Desse modo, se for um desastre, só poderei culpar-me a mim mesmo.

Ela sorriu.

- Mas assim terás de suportá-la. Ele encolheu os ombros.

- Mudo-a.

Ela observava-o com uns olhos que pareciam ver mais do que o normal.

- Por que pareces incomodado quando falas das tuas janelas?

Gray sorriu forçadamente.

- Não quero ser conhecido como o tipo das janelas solares. Gostaria de fazer coisas impressionantes,
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independentemente do material usado, ede ser reconhecido pela minha qualidade.
- E isso é difícil por causa do êxito das janelas, Ele assentiu com a cabeça.

- Em resumo, sim.

Ela assentia com a cabeça como se o entendesse e ele sentiu uma satisfação especial.

- Por que decidiste ampliar a tua empresa? Gray encolheu os ombros outra vez e desejou que ela se aninhasse nos seus braços em vez de fazê-lo no braço do sofá.

- Tive um acidente e sobrava-me tempo para pensar enquanto me recuperava. Sempre adorei fazer projectos e tenho pessoal muito criativo e competente em Filadélfia
com o qual posso trabalhar à distância, por isso decidi experimentar o mercado de Baltimore.

Ela olhava-o intrigada e estava visto que pensava em algo que não arquitectura; Gray preparou-se para o que viesse.

- Que tipo de acidente?

- Um muito estranho - respondeu ele sem alterar o tom desembaraçado. Dizem que só acontece um assim a cada dois mil anos. Eu estava a jogar rugby e deram-me um pontapé
no peito que me causou lesões internas muito graves.

Ela parecia espantada.

Eu pensava que o rugby não era violento.

- Não acho que tenhas pensado alguma vez sobre rugby em toda a tua vida - gozou ele.

Ela sorriu.

- Na verdade, não. É parecido com o futebol, não?

- Um pouco, mas muito menos civilizado. Talvez
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um dia destes, depois de estar a chover durante uma semana e quando tu estiveres completamente entediada, eu te explique a diferença. Gray sorriu e ela retribuiu-lhe
o sorriso.

- Que lesões tiveste?

Ele estava com a esperança de não ter que mentir descaradamente.

- Bem, muitas diferentes - tocou lentamente o ventre. Operaram-me e a recuperação foi muito lenta. Isso permitiu-me estudar algumas cidades e ver qual era a melhor
para a minha empresa.

- E escolheste Baltimore.

Ele assentiu com a cabeça, aliviado por ter desviado a atenção dela para algo que não a operação.

- Havia três candidatas na Costa Este, mas Baltimore está perto de Filadélfia, tem bom clima e agradou-me quando a visitei.

Ela sorriu e levantou o copo de água para dar um golo.

O clima não é assim tão bom quando chega o Inverno.

- Não me incomoda que faça um pouco de frio, mas Boston, por exemplo, está demasiado ao norte, e Orlando é insuportável no Verão.

- Essas eram as outras duas alternativas perguntou-lhe ela entre risos. - De um extremo ao outro?

- Efectivamente.

Houve um breve silêncio entre eles, um momento quente e agradável que ele teria desejado que não terminasse nunca. Em seguida, ele lembrou-se de como a encontrara
ao chegar. Tinha estado a chorar e os seus olhos estavam inflamados.
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- Catherine... - Sim...

- Quando cheguei, tinhas estado a chorar? Não me contes histórias de alergias.

Ela suspirou.

- É uma história muito longa...

- Patsy está doente?

Foi a primeira coisa em que pensou, embora ela o tivesse tranquilizado.

- Não, não - ela estava realmente surpreendida. - Não tem nada de grave.

- Então, estavas a chorar porquê? Ela deixou escapar outro suspiro.

- Atrasei as férias da família, íamos sempre no quatro de Julho, mas este ano, por causa do meu novo trabalho, teremos de ir em Setembro. Embora seja um part-time
acrescentou, na defensiva,
- não posso deixar tudo e ir-me embora quando quiser.

- Patsy não estava à espera disso?

Não. E apanhou um... desgosto. Disse que lhe doía a cabeça e que não podia jantar connosco. Senti-me muito mal por causar-lhe um desgosto tão grande.

- Ah Gray fez um gesto com a cabeça. - Vocês as duas dão-se muito bem. Eu achava que as noras odiavam as sogras.

Catherine riu-se.

- Não neste caso. Tive muita sorte. É fantástica. Houve outro silêncio, mas não foi tão confortável como o anterior.

- Será melhor ir-me embora - disse Gray ao fim de um bocado.

Ele ficou aborrecido tanto por ela não se opor
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como por ainda assentir com a cabeça e levantar-se. Depois do momento que tinham partilhado no patamar, ela voltava a comportar-se como se fossem meros conhecidos.

Gray deixou-a acompanhá-lo até à porta.

- Gostei muito desta noite - Gray acariciou-lhe os braços. - Diz-me que tu também.

Ela olhou-o fixamente antes de baixar a cabeça.

- Eu também.

- Gostaria de voltar a passar algum tempo com Michael e contigo.

Ela levantou a cabeça.

- Porquê?

Gray olhou-a com uma expressão brincalhona.

- Porque gosto muito de ti e o teu filho é fantástico.

- Boa resposta, mas antes de aceitar, quero que saibas que não procuro nenhum tipo de... caso.

- Que te parece amizade e diversão?

Talvez ela não quisesse reconhecer mas já tinha um caso entre mãos. Quando foi a Baltimore só pensara em vê-la, mas nesse momento sabia que era inútil tentar manter-se
afastado dela.

Ela sorria, vacilante.

- Acho que poderíamos tentar.

- Que gostarias de fazer? Ela pensou um bocado.

- Poderíamos fazer um piquenique no campo. Michael adora estar ao ar livre.

- Quando?

- Amanhã. É sábado e não trabalho.

- Parece-me muito bem. Passo cá para apanhar-vos por volta do meio-dia.

Ela assentiu com a cabeça e ele beijou-a ao de
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leve nos lábios. Teria preferido um beijo de verdade, senti-la abraçada a ele, que tivesse reagido como fez no primeiro dia no jardim, mas sentiu que ela lutava
contra si própria. Ele não sabia porquê, mas não estava disposto a dar-lhe uma desculpa para voltar atrás.

- Até amanhã - disse, antes de voltar-se para ir-se embora.
Capítulo Seis

Deveria fazer com que lhe analisassem a cabeça. Deveria ter-se negado educadamente. Não podia envolver-se com Gray Mclnnes.

Catherine guardou as sanduíches na mala térmica e procurou os sumos e as maçãs. Michael adorava as laranjas cortadas em bocados pequenos, mas não conseguia mastigar
os filamentos. Começou a descascar uma laranja sem conseguir tirar Gray da cabeça. Ele nadava na abundância. Ela fazia malabarismos com o dinheiro para não perder
a casa de família. Gray pensaria que só queria o seu dinheiro. Todos pensariam e isso era o que mais a horrorizava.

Quando casou com Mike, soube o que falavam nas suas costas. Soube que diziam que ia atrás do dinheiro dele, que sabia o que lhe convinha, que algo teria feito para
que se casasse com uma mulher tão pouco adequada...

Nessa altura não ligou porque amava Mike e eram tão felizes que os insultos não os atingiam. Além de que Patsy também gostara dela desde o princípio. Patsy retirara
importância às maledicências com histórias muito divertidas sobre as pessoas que as inventavam.

No entanto, não queria voltar a passar pelo mesmo. Apesar da protecção de Mike e Patsy,
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aquelas atitudes atingiram muito fundo o coração de uma jovem sensível. Além de que não estava só, também tinha de contar com Michael.

Meteu os bocados de maçã e laranja num recipiente, Que faltava? Uns aperitivos de gengibre que Aline fizera, aipo picado e as bebidas.

Tudo o que fizesse se reflectiria no seu filho, pensou enquanto guardava uns guardanapos e fechava o saco. Estava decidida a que ele crescesse sem sobressaltos e
a que se sentisse parte do mundo do seu pai. Nos seus planos não entrava ter um idílio desenfreado com um solteiro milionário.

Seria um desvario, pensou com um estremecimento ao lembrar-se do brilho ardente e azulado dos olhos de Gray na noite anterior. Tinha-a olhado como se a quisesse
deitar ali mesmo. Se Michael não estivesse presente, quem sabe o que poderia ter acontecido.

Porém, Michael estava presente. Sorriu levemente ao lembrar-se do enorme homem moreno e da criança de cabelo quase branco na cadeira de balanço.

Não conseguiu evitar pensar que pareciam pai e filho. Era possível que Gray nada soubesse de crianças, mas se não gostava de Michael, era um actor digno de um Oscar.

- Aqui está! exclamou Patsy com voz cristalina enquanto entrava na cozinha com Michael. - A mamã já preparou a comida.

Obrigada por vesti-lo disse Catherine à sua sogra. - De certeza que não quer vir?

Patsy sorriu. Parecia que já lhe tinha passado o desgosto da noite passada.
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- E desde quando é que eu gosto dos almoços campestres? Formigas, moscas, sentar no chão... fez um gesto brincalhão. - Não, obrigada. Além de que tenho uma reunião
para estudar a decoração da festa do lírio.

A festa do lírio era um baile e jantar benéficos para o albergue de mulheres. Celebrava-se todos os anos em Junho e as mulheres do comité organizador usavam lírios
com as cores mais deslumbrantes.

Catherine suspirou.

- Estou nervosa por irmos só os três.

- Não tem nada de mal - tranquilizou-a Patsy. Também tens direito a sair com alguém de vez em quando.

- Não vou sair com ninguém - afirmou Catherine veementemente. Só... vamos juntos. Nem sequer sei como me persuadiu.

Patsy limitou-se a sorrir.

É um homem muito atraente. Talvez devesses sair com ele.

- Não me interessa sair com ninguém. Tenho-vos a ti e ao Michael, para que quero mais?

O rosto vivaz de Patsy ficou sério.

- A mim não me terás para sempre, querida, e o Michael crescerá e fará a sua vida antes de dares por isso. És jovem e tens muitos anos pela frente.

A verdade era que não podia rebater aquilo.

-É só algo circunstancial - disse para tentar convencer-se a si própria, bem como para tentar convencer Patsy. - Em qualquer caso, pensava sair com o Michael para
comer no campo.

Patsy voltou a sorrir.

- Divirtam-se - a campainha tocou como se estivesse ensaiada. - Eu abro - disse Patsy.
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Catherine respirou fundo e comprovou que levava fraldas, não fossem ser precisas. Ao cabo de uns instantes, Patsy regressou pelo vestíbulo com Gray atrás dela. não
há cavalos nos estábulos desde há um ano. Catherine vendeu-os depois do acidente de Mike. Disse que lhe dava pena ver o pobre Spurce sem ninguém para o montar.

Catherine pensou que, além disso, custava uma fortuna mantê-los e perguntou-se como teriam chegado tão rapidamente àquele assunto. Não queria que Patsy falasse com
Gray das suas preocupações pessoais.

- Olá - fez um esforço para olhar para Gray com um sorriso amistoso mas impessoal. - Preparado para ir para o campo?

Preparado para qualquer coisa - respondeu ele. - Eu conduzirei. Pensaste nalgum sítio?

Ela arqueou as sobrancelhas.

- Ah, eu pensei em não sairmos da propriedade. Há sítios muito bonitos.

De acordo pareceu surpreendido, mas recompôs-se imediatamente e agarrou nos objectos. Tu diriges, eu serei a mula de carga.

Ela não pôde evitar um sorriso.

- Não consigo imaginá-lo.

- Adeus - Patsy despedia-se deles com a mão à medida que saíam pela porta da cozinha - Divirtam-se. Não se esqueçam do creme protector.

-Já pusemos - tranquilizou-a Catherine.

- E do chapéu de Michael.

-Já o tenho. Se viesses connosco poderias encarregar-te de que não se queimasse. O sorriso de Patsy tornou-se malévolo.
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- Não, obrigada. Quando voltarem, eu estarei bem contente com o ar condicionado.

- Não gosta de comer no campo? - perguntou-lhe Gray enquanto seguia Catherine pela relva.

Catherine tinha posto o chapéu a Michael e tinha-o colocado no chão. Gray também ia tapado. Tinha retirado um boné do bolso de trás das calças e tinha-o posto assim
que saiu para o exterior. Tinha quase toda a cara à sombra. Debaixo da pala, os olhos eram de um azul brilhante.

Patsy não é uma pessoa muito aficcionada ao ar livre. Gosta de flores, mas só se houver alguém para as plantar e cuidar delas.

Gray riu-se.

- O síndroma da opulência, não?

- Mmm. Patsy vem de uma família rica e quando se casou com o pai de Mike recebeu uma herança da sua avó. Tirando a fortuna dos Thorpe, naturalmente.

- Naturalmente - disse Gray com um sorriso forçado.

- Suponho que, por isso, não é muito realista com o dinheiro. Parece não saber o que é cumprir um orçamento.

- Portanto és tu que te ocupas dos assuntos económicos desde que o teu marido morreu.

Ela olhou-o assombrada.

- Sim, claro, mas normalmente não me importo.

- Como chegaste a saber tanto de assuntos económicos? Tu licenciaste-te em Literatura inglesa.

Como sabes?

Ficou parada a meio do caminho. Tinha a certeza de que não lho tinha dito.
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Ele também se deteve com uma expressão que ela não soube interpretar. Encolheu os ombros e sorriu.

- Não sei.

Gray retomou a marcha lentamente, mas o humor dela mudara. Não sabia porquê, mas sentia uma profunda sensação de intranquilidade. Não era medo, mas sim um sexto
sentido que lhe dizia que algo não estava bem.

Catherine... Gray estalou os dedos diante dela.

- Perdão - não sabia o que a preocupava e fez um esforço para se esquecer daquilo. Por que não pomos a manta aqui? Há uma sombra muito boa debaixo dessa árvore.

Não queria falar da sua situação económica com Gray e aquele sítio era muito bonito.

Era um dia quente de Junho e a pequena clareira ficava oculta da casa por umas frondosas árvores floridas. Michael foi atrás de uma bola que Gray lhe lançara e ao
cabo de uns minutos ensinou-o a dar-lhe chutos. Michael fez um bom lançamento que mandou a bola para bastante longe. Gray foi apanhá-la e Catherine observou-o enquanto
regressava fazendo truques com ela, como avançar dando-lhe com os joelhos e sem deixá-la cair ao chão.

Deitou-se de costas para os ver jogar. Gray era paciente e animava Michael.

Virou-se para Catherine.

- Viste? - perguntou-lhe quando o menino voltou a dar outro bom chuto. - É um atleta.

Não esperou que ela respondesse e concentrou-se no seu filho. Catherine observava-o pensativa. Ele dissera-o com um tom de verdadeiro orgulho.
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Como se as habilidades de Michael fossem um motivo de orgulho pessoal. No entanto, não vira o seu filho mais do que um par de vezes e quase não conhecia nenhum dos
dois. Mas ela também se sentia como se o conhecesse e pudesse falar com ele como não o fizera com ninguém desde a morte de Mike.

Ao fim de um bocado, Michael perdeu o interesse pela bola e começou a dar voltas em círculo até cair a rir sobre a relva.

Gray deitou-se na manta junto dela e Catherine sentou-se rapidamente.

- É fantástico - disse-lhe Gray enquanto tirava o boné e passava os dedos pelo cabelo. Dentro de uns anos será uma estrela do futebol.

- Preocupa-me o que acontecerá quando cresça
- reconheceu ela. - Eu não posso ensinar-lhe as coisas de rapazes que terá de saber. Sempre frequentei colégios de raparigas.

Gray riu-se, mas os olhos expressavam compreensão.

- Não creio que devas preocupar-te. É possível que Michael não tenha a figura de um pai, mas terá muitos modelos de comportamento masculino se fizeres com que pratique
desporto e outras actividades. Além disso, tem o mais importante: um lar estável onde o amam.

- É um consolo. Espero que tenhas razão - ela sabia que continuaria a preocupar-se, mas lembrou-se de que ele falava por experiência própria.
- Suponho que sabes o que dizes porque te criaste de forma parecida e saíste normal.

Gray arqueou as sobrancelhas e voltou-se para olhar para o menino.
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- Há algumas parecenças na infância de Michael e na minha - fez um gesto para assinalar tudo o que os rodeava. - Michael nunca terá de se preocupar sobre se poderá
pagar a renda ou comprar comida.

Catherine pensou que não o faria se ela pudesse evitá-lo, mas também pensou que não podia permitir que ele pensasse que ela se tinha criado rodeada de riqueza.

- Antes perguntaste-me como aprendi a administrar o dinheiro - enrugou a manta entre os dedos. - Eu também não venho de uma família rica.

Ele pareceu surpreendido.

- Não? - tinha um sorriso retorcido. - Adaptaste-te bem.

Como tu inclinou um pouco a cabeça. - O meu pai era bibliotecário na Universidade de Maryland. Não ia ficar rico com o seu salário, mas poderíamos ter vivido sem
dificuldades. Não vivemos - disse inexpressivamente. - Depressa aprendi a abrir o correio e a ocupar-me de que o meu pai pagasse as facturas. Era a única forma de
não nos cortarem os abastecimentos - abanou a cabeça. Sabia quando lhe pagavam e fazia com que me desse dinheiro para a comida e a renda. Às vezes surpreendia-me
e chegava a casa com o que ele chamava de salário extra. Dava-mo para que comprasse roupa, mas eu juntava-o para as semanas em que não tinha dinheiro suficiente.

Os olhos de Gray começavam a mostrar compreensão.

- Em que andava metido?

- No jogo respondeu ela. Quando morreu, encontrei todo o tipo de boletins de aposta no seu
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gabinete. Eu nem sequer sabia o que eram até que o Mike me disse.

- Deve ter sido difícil de aceitar - passou-lhe uma mão pelas costas para a consolar.

No entanto, ela estava muito sensível e o ritmo cardíaco disparou com o contacto. Ela, aborrecida pela sua incapacidade de dominar as suas reacções, agitou-se, tirou-lhe
a mão de cima e deitou-se de costas apoiada nos cotovelos.

- Foi. Eu adorava o meu pai. Foi horrível vê-lo com uma nova perspectiva.

Permaneceu em silêncio enquanto contemplava o passado. Gray não disse nada, não se mexeu nem voltou a tocá-la. Ficaram a olhar para Michael enquanto os pássaros
cantavam e a paz lhe aliviava as feridas abertas nas quais não pensava há vários anos.

- Por que me contaste tudo isso? - perguntou-lhe passado um bocado.

Ela surpreendeu-se.

- Eu... a verdade é que não sei... Imagino que é importante que saibas que não sou uma menina mimada - disse, sem pensar no que dizia.

Gray olhou-a.

- Para mim, é importante entender-te pegou-lhe na cara com uma mão e levantou-lhe o queixo enquanto se inclinava sobre ela. - Para que conste - sussurrou-lhe, -
nunca te teria qualificado como uma menina mimada.

Ela fechou os olhos enquanto as bocas se aproximavam. Sentiu os lábios quentes e firmes que a seduziam até que ela correspondeu ao beijo, se apertou contra ele e
lhe envolveu os ombros com os braços. Ele separou-lhe os lábios e introduziu a

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língua entre estes. Catherine sentiu o ventre a começar a agitar-se e que a prudência a abandonava.

- Michael... - conseguiu balbuciar.

Gray afastou a cabeça bruscamente e endireitou-se.

Desculpa.

A cabeça de Catherine caiu como uma flor demasiado pesada para o seu caule e apoiou-se no peito dele para absorver o seu aroma limpo e masculino.

- Não ias tocar-me, lembras-te? - disse Catherine com a voz entrecortada.

Ele pigarreou. - Lembro-me o tom era sério e denotava certa repreensão, mas custa-me manter-me longe afastou-se um pouco para olhá-la nos olhos. Penso em ti em cada
momento.

Ela engoliu em seco. A sua sinceridade merecia o mesmo dela.

- Eu também penso em ti - sorriu, mas custou-lhe muito fazê-lo. - Não estou preparada... mas quando me tocas, esqueço-me de tudo.

Os olhos de Gray escureceram.

Se estivéssemos sós - disse com uma voz profunda, - estaria tentado a aproveitar-me do que acabas de dizer - levantou a mão. - Acariciar-te-ia aqui... - passou-lhe
os dedos pelas maçãs do rosto e pela face - e aqui... - desceu os dedos pelo pescoço e pelo peito até alcançar um mamilo duro. Ela conteve um gemido ao sentir uma
pontada de prazer nas entranhas. - Deslizaria a minha mão até aqui - os dedos chegaram até ao ventre, e, sem dúvida, acariciar-te-ia aqui - um dedo longo entrou
entre as suas pernas e pressionou firmemente
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sobre a carne palpitante, apenas coberta pelos calções e pela roupa interior.

Pára disse ela com a voz entrecortada enquanto o agarrava pelo pulso e lhe desviava a mão.

Ele sorriu sem desviar o olhar dos seus olhos.

- E depois... - deu a volta ao braço e agarrou a mão de Catherine com a sua... seria a tua vez de me acariciares.

Pousou a mão dela sobre a sua erecção. Ela voltou a gemer ao sentir a reacção do corpo de Gray. Os seus dedos curvaram-se automaticamente para abarcá-la e Gray deixou
escapar um som de puro desejo masculino. Ele afastou-lhe a mão e beijou-a antes de entrelaçar os dedos.

- Mas não o farei porque não estás preparada. Ela aclarou a garganta porque não sabia se a voz lhe sairia.

- A verdade é que me parece que estou - levantou a cabeça para olhar para ele. - Disseste que estou apaixonada pelo meu marido e tinhas razão. Uma parte de mim amará
sempre o Mike, mas já é só uma recordação. É hora de continuar.

Gray suspirou, desviou os olhos e ficou a olhar para o céu.

- Sabes uma coisa? - disse com um tom descontraído. És uma apressada.

Ela riu-se e dissipou-se a sensualidade que a controlara; presumiu que ele o fizera intencionalmente.

- Tu também não ficas atrás.

Gray sorriu e umas rugas profundas sulcaram as suas faces.

- De certeza?

Michael aproximou-se a correr e ela começou a
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tirar a comida enquanto agradecia a possibilidade de recuperar o equilíbrio.

Depois de comer, a cabeça de Michael começou a descair e foram para casa para que pudesse dormir a sesta. Gray empenhou-se em levar o menino e que Catherine se encarregasse
da cesta vazia. Seguiu-os pela relva e sentiu-se emocionada ao ver o seu filho adormecido nos braços de Gray.

Ela não era pessoa de improvisos, mas decidiu que não ia pensar muito onde tudo aquilo a levaria. Havia demasiados factores e obstáculos para poder sonhar com o
futuro.

No entanto, como iria haver um futuro sem Gray? Há umas semanas, ela não poderia imaginar que voltaria a amar. Neste momento, temia que lhe estivesse a acontecer
exactamente isso.

Durante a semana seguinte, Catherine convidou-o para um churrasco à tarde, a outro almoço campestre e a dois jantares de família. À noite, Patsy levava Michael para
lhe dar banho depois de jantar e dava-lhes um momento de intimidade que Gray desejava como um preso deseja um dia livre.

Sabia que o que fazia estava mal. Tinha-lhe mentido, mais ou menos, e esperado demasiado tempo para lhe dizer a verdade. Ela odiá-lo-ia se descobrisse a verdade.

Não podia durar. Fora o primeiro homem a tocá-la depois da morte do marido. Um dia, ela perceberia que era apenas um homem normal e comum e seguiria o seu caminho.
Um dia, tudo terminaria e ele desapareceria da sua vida, mas até
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que esse dia chegasse, ele não tinha forças para abandoná-la.

Só pensava em Catherine: no seu cabelo brilhante sobre os ombros nas poucas vezes que não o levava apanhado; na tensão dos músculos das suas pernas longas e esbeltas
quando se agachava para pegar no filho ao colo; no seu traseiro pequeno e delicado dentro dos calções; no modo como inclinava levemente a cabeça quando lhe sorria;
na forma de beijar o seu filho na cabeça; no brilho jocoso dos seus olhos quando gozava com ele; na sua decisão de manter a única vida que a sua sogra conhecera;
no suave movimento dos seus lábios quando a beijava e no seu corpo entre os seus braços; na necessidade que sentia de a deitar no chão e despi-la para desfrutar
da sua visão, da sua boca e das suas mãos.

Uma noite, depois de Patsy ir deitar Michael, esperou que Catherine fosse com ele para a sala. Tinham-se acostumado a ver as notícias e a comentá-las... e a beijar-se.
Viu-a aproximar-se e pensou o curioso que era que o momento mais esperado do dia fosse quando ela se sentava no sofá e ele lhe rodeava os ombros com o braço. Era
muito afortunado e quase tinha deitado tudo a perder com o estúpido comentário sobre o dia em que ela se licenciou. Ainda não sabia porque o dissera, mas enquanto
falara, tinha uma imagem mental muito clara e precisa.

"... usava o barrete e a toga e corria sorridente para ele, agitando o diploma. Ele estendeu-lhe os braços e ela lançou-se neles para beijá-lo entre risos e gritos.

A única coisa que teria tornado este dia melhor seria a presença do meu pai.
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- Eu sei - secou-lhe as lágrimas com os polegares e voltou a beijá-la. - Oxalá estivesse, mas sabes como eu sempre me encarregarei de ti."

Ao recordar, ele tinha uma sensação de desassossego. Começara a recordar mais coisas e mais claras, talvez houvesse uma explicação racional. A maioria das vezes
negava-se a pensar naquilo, mas outras, apoderava-se da sua cabeça e não podia evitá-lo.

Como quando jogou à bola com Michael. Sentiu uma emoção muito intensa ao ver que o pequeno gostava. Talvez, demasiado intensa. Como se a parte de Mike Thorne que
habitava nele estivesse orgulhosa da façanha do seu filho. Como se Mike estivesse decidido a permanecer naquela família da única forma possível.

Até que Catherine se sentou, aninhou-se nos seus braços como se fizesse desde sempre e todos os pensamentos que não eram sobre ela esvaneceram-se no ar.

- Olá - ele voltou-se e deu-lhe um beijo debaixo da orelha. - Correu tudo bem durante o banho?

- Tudo perfeito.

Ela inclinou um pouco a cabeça para que ele chegasse melhor ao pescoço e pegou-lhe na cara com a mão, virou-a para si, beijou-lhe os lábios e sentiu uma satisfação
imensa quando ela se deixou levar com um murmúrio de prazer. Deitou-a no seu colo, inclinou-se sobre ela e beijou-a profunda e repetidamente, até que ela só procurava
a sua boca, até que os dois só tentavam recuperar o fôlego como se corressem uma maratona a pares.

Gray acariciou-lhe a anca, agarrou-lhe um seio com a mão e sentiu o mamilo erecto através do sutiã. Prometera não introduzir a mão pela sua
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roupa nem, muito menos, despi-la em sua casa. Desconhecia o motivo, mas para ele era importante e noite após noite agarrava-se à sua promessa embora às vezes quase
nem conseguisse pensar. A sua erecção era tal que lhe doía e a anca de Catherine contra ele era o tormento mais inebriante que podia imaginar. Porém, não iria correr
o risco de Patsy entrar e perceber que algo tinha fugido ao seu controlo. Sabia que se se deixasse levar pelos seus sonhos e fantasias, nada o poderia parar.

Deu-lhe um último beijo e as suas carícias passaram do peito ao ombro para se apaziguar um pouco.

- Devemos estar loucos para nos torturarmos desta forma.

- Possivelmente. Certamente.

Ela continuava ao seu colo com o cabelo despenteado e os lábios vermelhos dos beijos.

- Nunca imaginei que aos trinta anos estaria a namorar à distância, na sala, com a minha namorada e atento ao aparecimento da mãe.

Catherine riu-se.

- Primeiro, não é minha mãe; segundo, não namoras à distância, já o conseguiste - levantou a cabeça. Sou a tua namorada? Não sei porquê mas custa-me imaginar-me
como mãe e namorada. As mães não saem com rapazes.

- Tens de aceitá-lo - deu-lhe um beijo na ponta do nariz. - Por falar em sair, queres ir jantar ou ao cinema na sexta à noite?

Para sua surpresa, ela hesitou.

- Podias vir jantar aqui - propôs ela em alternativa.
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Ele olhou-a fixamente com todos os sentidos alerta. Algo estava mal. Ela distanciara-se ligeiramente, embora ele não soubesse o motivo daquela reacção.

-Já vim jantar aqui umas quantas vezes - disse ele cautelosamente. Pensei que poderia ser agradável arranjarmo-nos um pouco e sair por aí.

- Eu prefiro um serão tranquilo em casa. Estou um pouco cansada com o trabalho, as obras de caridade e as responsabilidades familiares. Preciso de tempo para me
habituar à mudança. Importas-te?

Claro que se importava, mas não parecia o momento adequado para ser sincero.

- Não - respondeu ele. - Não me importa, mas poderia cozinhar eu para variar. Já tinha pensado organizar um jantar naquele terraço tão delicioso que há na parte
de trás da casa dos hóspedes.

Ela sorriu e relaxou-se imediatamente.

- Seria fantástico. Deixas-me levar alguma coisa?

Ele negou com a cabeça, perplexo por como tinha desaparecido a tensão do seu corpo. Reviu mentalmente a conversa para ver se conseguia saber o que tinha acontecido.

- Só quero a tua presença.

Pelo menos estariam sós. Só de pensar nisso, o seu corpo esqueceu-se que tinha de estar a acalmar-se. Esperara sair dali antes da chegada de Patsy, mas ficaria um
pouco mais.
Capítulo Sete

Meia hora depois, Patsy ainda não descera. Catherine foi ver se acontecera algo a Michael, mas voltou e disse que a sua sogra tinha uma dor de cabeça e se tinha
ido deitar.

- Muito bem - Gray levantou-se e foi até à porta da sala, onde estava Catherine. - Vou para casa. Acompanha-me até à porta.

Passou-lhe o braço pela cintura enquanto atravessavam a casa.

- Acompanhar-te-ei um pouco mais - disse ela quando se ia despedir.

A noite estava quente e cheirava a relva recém cortada, madressilva e rosas trepadeiras. Passava das nove e quase anoitecera. A lua assomava o seu rosto prateado
e as estrelas mais ousadas desafiavam os últimos raios de sol.

Gray deu-lhe a mão e desceram as escadas.

- Está uma noite linda.

- Sim parecia tranquila e despreocupada. Era evidente que se esquecera dos momentos tensos depois de que a convidara para jantar.

Tinham os dedos entrelaçados e Gray perguntou-se se alguma vez ela pensava no distante e cautelosa que fora quando se conheceram pela primeira vez. Ele sim, pensava
no assunto, e surpreendia-o que pudesse estar a dar um passeio
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com a mulher que se apoderara dos seus pensamentos.

Caminharam um bocado em silêncio.

Olha disse ele repentinamente. Pirilampos. Eu caçava-os às dúzias numa só noite. Tinha tantos que o frasco estava sempre iluminado quando o levava à minha mãe.

- Eu sempre quis ter um como animal de estimação. O meu pai ajudava-me a fazer-lhe uma casa num frasco com erva e uma tampa com água, mas quando o ia ver pela manhã,
o pirilampo tinha fugido. O meu pai abanava a cabeça e dizia que tinha feito uns orifícios demasiado grandes, ainda que fossem como cabeças de alfinete. Demorei
anos a perceber que os deixava livres, mas quando percebi já não me importava.

Gray deu-se conta de que estava a sorrir enquanto movia as mãos entrelaçadas.

- Talvez, mais pelo Verão adentro, quando anoiteça mais cedo, o Michael possa estar levantado para vê-los. Podíamos ajudá-lo a caçar alguns e a guardá-los num frasco.
Achas que ele gostaria?

Ela hesitou tanto que ele pensou que não lhe ia responder e sentiu certa intranquilidade.

- Catherine... O que foi?

- Nada a sua voz parecia hesitante. Gray parou e deteve-a a meio do caminho.

- Catherine, o que foi? Ela suspirou.

Chegará esse momento pelo Verão adentro? A pergunta surpreendeu-o. Era o primeiro sinal

de que pensava a longo prazo. Pareceu-lhe o afrodisíaco mais potente que conhecia. O coração disparou-lhe, deixando-o, literalmente, sem respiração.
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Pegou-a pelos ombros e olhou-a sem que lhe importasse que ela pudesse perceber o amor que sentia por ela.

- Chegará, se tu quiseres.

Desceu os lábios até encontrar os dela. Depois de um breve instante, ela abriu a boca e envolveu-lhe o pescoço com os braços. As línguas enredaram-se numa dança
descontrolada e quando ele baixou as mãos para lhe acariciar o traseiro, ela deixou escapar um som ansioso e enroscou-lhe uma perna à volta da cintura, como na primeira
vez em que se beijaram ali, nesse mesmo jardim, embora naquela altura estivessem muito mais próximos da casa.

O cansaço deu passo a uma sensação crescente de solidão no meio do jardim silencioso. Enquanto Gray assimilava essa ideia na sua cabeça, apercebeu-se do que o seu
subconsciente estivera a pensar desde que ela saiu de casa com ele: desejava-a. Nessa noite. Nesse preciso instante.

Sentiu-se dominado pelo desejo e a sua erecção foi quase instantânea. Agarrou-a pelos quadris e apertou-a contra si com força ao passo que ela deixava escapar leves
e entrecortados gemidos. Retorceram-se uns instantes até que o obstáculo da roupa guiou os passos de Gray.

Deixou que Catherine se afastasse um pouco dele e desabotoou-lhe os cinco botões que lhe fechavam a camisa. Tirou-lha com um movimento certeiro e também lhe soltou
o fecho do sutiã.
- Gray! - exclamou ela espantada. - Estamos no

jardim.

Ele reprimiu uma gargalhada e levou-a para debaixo de um carvalho que havia junto ao caminho.
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Ela olhou-o um segundo e ele sentiu um ataque de pânico ao pensar que se ia opor, mas fez um movimento com os ombros e o sutiã caiu ao chão. Então, sentiu o coração
completamente alvoraçado. Os seios não eram muito grandes, mas tinham uma forma perfeita e eram coroados por uns generosos mamilos. Na escuridão não podia distinguir
se eram rosados ou acobreados, mas via-os muito claramente na sua cabeça. Eram de um rosa muito delicado e maiores que antes da gravidez. Ao dar-se conta do que
acabava de pensar, afastou-o da sua cabeça para que a sua maldita memória não interferisse naquele momento.

Meu Deus disse quase reverentemente. - És linda.

Pegou-lhe nos seios com as mãos e acariciou-lhe os mamilos com os polegares, como ela gostava, até que se endurecessem, se pusessem rígidos e ela arqueasse as costas
numa súplica silenciosa para que ele não parasse. Então, inclinou-se para a frente, lambeu-lhe um mamilo e deixou escapar um gemido de prazer ao sentir o sabor e
a textura sedosa da sua pele. Passou a língua uma e outra vez em redor do mamilo até que ela se separou com um rouco murmúrio.

- Tu - disse ela, - também.

Levantou as mãos até aos botões da sua camisa, desabotoou-os desajeitadamente e deixou-a pendurada sobre o seu tronco. Tinha as mãos quentes e suaves e ele deleitava-se
ao sentir os seus dedos entre os pêlos do peito. O peito! Se lhe acariciasse o peito, ela perceberia a cicatriz e não queria estragar aquele momento com perguntas.

Agarrou-lhe nos pulsos e ergueu-os até que lhe
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rodeou o pescoço com as mãos. Ela estava em bicos de pé e cada centímetro dos dois corpos nus estava em contacto. Tinha os seios quentes e quase duros. Ele deixava
escapar uns sons desde as profundezas da sua garganta e beijou-a com voracidade.

Ele sabia que tinha de lhe dizer quem era e como a tinha encontrado, sabia que não era justo enganá-la daquela maneira, mas não lhe saíam as palavras. Ela era a
sua vida, o seu único motivo para respirar e levantar-se em cada manhã. Desejou-a desde o dia em que acordou e ela estava na sua mente e tinha de possui-la.

Só uma vez, prometeu a si mesmo. Talvez duas vezes, corrigiu imediatamente, ao pensar no encontro de sexta-feira à noite. Ele também queria ter as suas próprias
lembranças! Queria saber que sentia ela debaixo dele, queria ouvir os leves gemidos de satisfação que lhe podia provocar. Queria olhá-la nos olhos quando entrava
nela e saber que ela o estava a ver.

Porque a amava. Porque num mundo normal, ela seria uma viúva normal e ele um homem qualquer e podiam passar juntos o resto das suas vidas. Porque ele não podia ter
esse resto das suas vidas, mas também não ia renunciar à sua única ocasião de ser feliz sem algumas memórias que o mantivessem de pé.

Soltou-lhe o cinto que lhe segurava os calções e entreteve-se a introduzir um dedo por baixo do rebordo sedoso das cuecas. Passou-o pelo ventre dela e de cada vez
aprofundava um pouco mais. Até que não pôde resistir mais e lhe baixou os calções e as cuecas num só movimento. Depois ergueu-a para a libertar deles.
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A sua pele resplandecia na escuridão e ele percorreu-lhe o corpo com as mãos. Começou pelos ombros, passou para os seios e desceu pelo tronco', até alcançar a delicadeza
do seu ventre. Então, 'acariciou-lhe as costelas e as costas até que a sedutora fenda do seu traseiro o convidou a introduzir um dedo por debaixo. Ela emitiu um
grito surdo e agitou-se com impaciência. Gray ajoelhou-se, acariciou-lhe as coxas, a parte posterior dos joelhos e tornou a erguer as mãos até as pousar nos quadris.
Fez uma ligeira pressão para que ela juntasse as pernas.

- Gray - disse ela com a voz entrecortada.

- Shhh. Um momento.

Apoiou a cara sobre os delicados caracóis e soprou. Ela emitiu um grito leve e as suas coxas estremeceram. Ele desceu a cara pelas coxas e ela separou-as.

Não tinha a certeza de poder levar as coisas com a calma que pretendia. De joelhos e com as suas coxas bem separadas, estava rígido e palpitante e a suave brisa
nocturna que o envolvia era outra sensação excitante, embora completamente distinta. Ele também estremeceu com uma pontada extasiante nas costas e agarrou-se ao
que lhe restava do seu autocontrole.

Lentamente, separou os caracóis com a língua até alcançar aquela palpitante humidade. Só queria pensar nela, nas coxas que movia contra ele enquanto acelerava o
ritmo e subia de tom os gemidos de prazer. Era um gozo e por fim soube que ela estava tão preparada quanto ele para dar o passo seguinte.

Levantou-se e atraiu-a para si.
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- Não pares - balbuciou ela.

- Não pretendo parar - percorreu todo o corpo com as mãos como se nunca fosse suficiente. - A gravidez não te mudou a figura - sussurrou.

- Não - confirmou ela com voz rouca. - Já era magra e só engordei sete quilos que perdi em dois meses.

Ele deu-se conta do que tinha dito, mas também de que ela o tinha tomado como uma pergunta.

Acariciou-lhe o ventre e o triângulo de pêlo que lhe cobria o montículo.

- É o momento de nos deitarmos. Ajoelharam-se os dois. Deitou-a sobre a relva e

ele deitou-se sobre ela. Afastou-lhe as coxas com as suas até que a situação só tinha uma conclusão possível.

Catherine estava silenciosa e ele notou que as suas pernas recuperavam um pouco da tensão anterior.

Com um lampejo de intuição, soube o que estava a pensar: que nesse aspecto era muito distinto do seu marido.

- Acalma-te. Acalma-te, coração.

Continuou a falar-lhe até que notou que se dissipava a tensão das suas coxas. Entrou lentamente nela e foi avançando pouco a pouco dentro do canal ardente e deslizante.
Estava húmida e cingia-se completamente a ele. Notou que estava a tremer do esforço que tinha de fazer para conservar a calma e tentar que fosse fácil para ela.

Por fim encontrou-se plenamente acolhido.

- Estás bem, coração? - perguntou-lhe ele.

Estarei - respondeu ela com a voz trémula.
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Antes de perceber o que estava a fazer, ela cravou os calcanhares no chão e apertou a pélvis contra ele com um movimento circular que o esfregava contra o seu púbis.
Ela explodiu. O seu corpo aferrou-se a ele como um punho que se soltava e voltava a fechar. Ele perdeu o controle e começou a investir desenfreadamente com as ancas
enquanto ela gritava e arfava o seu nome com as costas arqueadas e o corpo trémulo debaixo dele. Ele entrava cada vez mais dentro até alcançar um êxtase que supôs
uma ideia nova e indescritível do que é fazer amor.

Quando os espasmos cessaram, percebeu que lhe estava a agarrar o traseiro com uma força que lhe deixaria marcas..Ele certamente também teria as marcas dos seus calcanhares
nas costas.

Ela deixou cair os braços e as pernas. Tinha o cabelo como uma manta branca sobre o chão e perguntou-se se teria sido ele a desmanchar-lhe o penteado ou se se teria
soltado sozinho. Apoiou-se nos braços e olhou-a.

- És a mulher mais linda do mundo - disse antes de lhe dar um beijo leve nos lábios.

Ela deixou escapar um som parecido ao riso.

- Isso soa a elogio de homem agradecido. Gostou do seu sentido de humor.

- Podes ter a certeza. Gratidão eterna - hesitou, mas não conseguiu resistir. - Tenho eu a tua gratidão?

Ela sorriu lentamente e os dentes brilharam enquanto se esticava languidamente debaixo dele, o que o deixou sem fôlego quando ela tornou a envolvê-lo com os braços.

- Foste maravilhoso.
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As palavras podiam ser clichés, mas o tom era tão sincero que acreditou. Voltou a beijá-la.

- Por mim, adoraria continuar aqui - disse ele,
- mas presumo que tu prefiras levantar-te do chão.

- Presumes bem.

Gray levantou-se e estendeu-lhe uma mão para a ajudar. Ao levantar-se, ela cambaleou com um esgar de dor.

- Meu Deus, aleijei-te? - o tom era de sincera preocupação.

- Não - o tom dela era algo brincalhão. - Não te preocupes. Não estou acostumada... nunca tinha... - calou-se e ele não pôde evitar rir-se do seu desconcerto.

- Está bem. Obrigado Gray apanhou a roupa, vestiu-se e ajudou-a a fazer o mesmo. - Acompanho-te a casa.

- Talvez me tenhas de levar em braços, não tenho a certeza de poder andar.

Gray sabia que era brincadeira, mas não se importou. Pegou-a ao colo, apesar dos seus protestos, e levou-a até à porta de casa. Deu-lhe outro beijo, ela entrou e
ele voltou para o seu refúgio.

Pelo menos estava certo de que tinha regressado a andar, porque não se teria admirado se tivesse regressado a flutuar ou a voar.

Assim que acordou de manhã, Catherine lembrou o que tinha acontecido na noite anterior. Deixou escapar um suspiro e fez um gesto de dor quando notou as queixas dos
músculos que não se exercitavam há demasiado tempo. Reviveu cada momento e sentiu um formigueiro por todo o
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corpo ao lembrar-se das suas hábeis carícias. Se Gray se portasse sempre assim, não tinha a certeza de poder sobreviver.

Apercebeu-se do que estava a pensar. Tinha dito sempre? Ele dissera que pretendia continuar na sua vida, mas poderia fazê-lo quando se mudasse de casa?

Até então conseguira não sair com ele e evitar os comentários que se produziriam se a vissem acompanhada de um homem tão rico quanto Gray. No entanto, quando ele
se mudasse, isso seria impossível.

Teria de ser sincera. Teria de lhe explicar que tinha de pensar na sua reputação pelo bem do seu filho, já que não pelo seu próprio.

Preparou um café e um prato de cereais e começou a pensar como lhe diria. Dir-lhe-ia que tinha adorado, mas que não podia sair com ele. Não. Dir-lhe-ia que tinha
sido incrível, mas que ainda assim não podia sair com ele. Que tinha de pensar em Michael e em como o podiam afectar os comentários sobre ela.

Lavou os dentes e olhou para o relógio. Eram só oito horas. Michael costumava dormir até às nove e ouviu Patsy a dar voltas no seu quarto. Se ele acordasse antes
que ela voltasse, a sua sogra ouvi-lo-ia.

Iria a sua casa nesse momento e resolveria tudo em vez de passar o dia preocupada com como acabar aquela atracção disparatada que a corroía.

Pelo caminho, teve de parar para tomar fôlego junto ao carvalho onde tinham estado na noite anterior. Só se notava que a relva estava um pouco esmagada, mas ninguém
notaria.
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Mas ela sim. Engoliu em seco. Era mãe. Um pilar da comunidade. Tinha um emprego que seria prejudicado se a sua reputação ficasse manchada. Não podia sair com Gray.

Percorreu o resto do caminho absorta nos seus pensamentos. Tocou à campainha e notou que ficava tensa ao ouvir os seus passos. Gray abriu a porta.
- Bom dia.

A sua expressão era de prazer e de certa surpresa. Ela entrou e quando se voltou para olhar para ele comprovou que os seus olhos já não reflectiam amizade mas sim
um ardor sexual quase cego. Sem dizer nada, apoiou-a contra a porta e beijou-a na boca. Introduziu a língua como uma imitação descarada do que fizera na noite anterior
e notava a força das suas coxas que a aprisionavam. Só os separavam umas capas de tecido e ela teria vendido a sua alma para poder rodear-lhe a cintura com as pernas
e deixar-se levar ao mundo desenfreado e maravilhoso que tinham criado juntos.

Quando ele separou a boca repentinamente,

ela continuava perdida num turbilhão sensual. Ah, bom dia tentou recompor as suas ideias.

- Temos de falar.

- Não. Não nos saímos mal sem dizer nada.

Os seus olhos lançavam lampejos azuis que a arrastavam a um mundo íntimo e silencioso. Esteve prestes a envolver-lhe o pescoço com os braços, mas apercebeu-se do
que ia fazer e cruzou-os sobre o peito.

Desviou o olhar e fez-se um silêncio carregado de tensão.
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- Foi por algo que fiz?

O tom de Gray era despreocupado, mas ela notava que também era intenso, que tinha uma intensidade que fazia vibrar o ar que os separava.

Ela engoliu em seco e abanou a cabeça.

- Então, porque tenho a sensação que estamos a retroceder um passo de gigante?

Ela suspirou.

- Porque temos de o fazer. Eu tenho de o fazer
- efectivamente, ela deu um passo atrás. - Não posso meter-me num assunto extraconjugal.

- Dado que não és casada, parece-me que isso não é muito exacto - disse-lhe tranquila e equilibradamente. - Que te parece chamá-la de uma relação sexual estritamente
física, divertida e enlouquecedora?

Olhou-o nos olhos e o brilho brincalhão que encontrou fez com que sorrisse.

- Não me levas a sério.

- Claro que te levo a sério - o rosto tornou-se inexpressivo. - Se só queres uma relação sexual, farei todo o possível para conformar-me com isso.

Ela riu abertamente e notou que a tensão se tinha desvanecido.

Não posso voltar a ter uma relação física contigo - afirmou ela. Complica tudo demasiado.

- Há algumas coisas que têm de ser complicadas.

O tom era seguro e calmo e ela teve a sensação de que falava de algo mais do que de atracção mútua.

Antes que ela se pudesse afastar mais, ele deu um passo, tomou-a nos seus braços e beijou-a nos lábios.
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Ela sempre se considerara uma mulher com força de vontade, mas notou que todas as suas decisões se esfumavam à medida que ele lhe acariciava as costas e descia as
mãos até lhe agarrar nos pulsos. Todas as suas células cerebrais ficaram paralisadas pelo beijo. E tudo era muito mais difícil porque já sabia o êxtase que podia
atingir. Resistir não era difícil, era impossível.

Soltou um leve suspiro, envolveu-lhe o pescoço com os braços e deixou que lhe separasse os lábios com a língua enquanto todo o seu corpo derramava desejo em estado
puro. Notava o seu tamanho e calor contra ela. Encostou-a à parede e ajustou-se perfeitamente contra ela. Separou-lhe as coxas com um joelho e bamboleou-se entre
as suas pernas.

Ela arfou ao sentir a sua erecção contra o montículo palpitante. Ela não deveria querer aquilo; não deveria necessitá-lo. Não deveria necessitá-lo a ele tão absolutamente.
Teria sido esse o verdadeiro motivo porque fora ali?

Detestava pensá-lo, mas... mas quando ele passou o dedo pelo rebordo dos collants e das cuecas, ela nada fez para evitar que os descesse, os tirasse e os pusesse
de lado. Abriu-lhe a camisa e soltou-lhe um seio do sutiã para levá-lo aos lábios e lamber-lhe o mamilo expectante. Ela sentiu que as pernas lhe fraquejavam.

- Não, coração - a respiração acariciou-lhe o lóbulo da orelha. Continua de pé.

Segurou-a até lhe voltar a força aos joelhos. A sua voz era um sussurro rouco enquanto lhe acariciava as coxas e tirava as calças. Ao cabo de uns segundos, despertou
da letargia sensual em que estava
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a flutuar e sentiu que a poderosa erecção procurava a sua delicada abertura. Pegou-lhe no traseiro entre as enormes mãos, levantou-a e ladeou-lhe as coxas para que
o recebesse. Ele sufocou um grito dela com a sua boca e começou a investi-la com um ritmo cadenciado que a fez estremecer até ao mais profundo das suas entranhas.
Ela pensara que estaria dorida, mas na noite anterior ele despendera tanto tempo na sua preparação que não estava tão sensível como tinha previsto.

Ela, automaticamente, rodeou-lhe a cintura com as pernas e deixou-se levar pelo movimento. Gray voltou a beijá-la, mudou de ritmo e ela notou que ele perdera qualquer
réstia de controlo. Gray inclinou a cabeça para trás com os dentes cerrados enquanto não deixava de entrar e sair dela. Não se ouvia nada excepto a sua respiração
entrecortada, o arfar de Catherine e o incessante choque de corpos. Ela notou que o clímax se apoderava do seu interior cada vez com mais força e começou a gritar
a cada investida.

- Deixa-te levar - disse-lhe ele num tom gutural que não parecia seu. - Quero que alcances o clímax comigo.

Ele pressionou-a mais com as ancas e ela arqueou o corpo e sentiu que voava.

Gray deixou escapar um som indescritível e o seu corpo enrijeceu-se enquanto a empurrava contra a parede e ela se aferrava a ele. Notou que ele se libertava no mais
profundo dela e apertou mais as pernas para desfrutar dos últimos embates que anunciavam o final.

Os dois permaneceram quietos. Gray, sem se separar
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dela, levou-a para o sofá e deitaram-se. Ela soltou um arfar final ao sentir que com o movimento ele penetrara ainda mais dentro dela. Gray tinha os olhos fechados
e a cabeça apoiada nas costas do sofá, mas sorria e acariciou-lhe preguiçosamente o traseiro.

- Esta sim é uma boa forma de começar o dia afirmou ele.

Ela também sorriu e reparou que ambos tinham quase toda a roupa vestida.

- Gostava de ter dormido contigo a noite passada. Queria abraçar-te e não soltar-te mais - aquelas palavras inspiraram imagens de ternura na mente de Catherine.
Mas a seguir a isso, isto é o melhor.

- Mmm - ela não queria falar nem mover-se. Ele despiu-lhe a camisa e começou a coçar-lhe

as costas até que ela se arqueou como uma gata. Adorava que lhe fizessem isso... Como sabia?

- Por que fizeste isso? - perguntou-lhe com um tom apagado. - Adoro que me cocem as costas... depois...

- Depois de fazer amor - terminou ele com um tom de satisfação. - Não sei, pareceu-me o mais apropriado para a ocasião.

- E era.

Uma pergunta dava-lhe voltas na cabeça, mas não podia separá-la da sensação de saciedade que os envolvia e esqueceu-se dela.

- Catherine... - ele continuava a acariciar-lhe as costas. Detesto falar em questões prosaicas, mas apercebeste-te que não tivemos em conta a protecção?

Ela abanou a cabeça contra o seu ombro.
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- Não importa, estou a tomar a pílula. -Ah.

- Depois do nascimento do Michael, os meus períodos começaram a ser irregulares e o médico disse-me que experimentasse este método - ela sentiu necessidade de lhe
dar uma explicação face à lacónica reacção de Gray.

Não te importa que eu não tenha usado nada?

Ela sentou-se lentamente.

- Com quantas mulheres fizeste isto durante os últimos dois anos?

- Com nenhuma. Ela ficou atónita.

- Com nenhuma sem protecção?

Não. Com nenhuma em absoluto.

- Porquê? disse sem pensar. És solteiro, és são e não me podes dizer que não te interessam as mulheres.

- Fazer amor é algo mais do que aliviar vontades - respondeu ele sem perder a calma. - Nunca fui um predador, mas depois do acidente apercebi-me que tudo, até o
mais mínimo, é importante e deveria ser muito valioso.

Ela conteve a respiração como se esperasse que ele dissesse algo mais, mas permaneceu em silêncio. Isso queria dizer que ela significava algo para ele? Não podia
seguir esse raciocínio porque tinha medo de onde a poderia levar.

De acordo, tinha sido estúpida por pensar que poderia manter-se afastada dos seus braços. Nunca tivera um caso amoroso na sua vida, mas já o tinha, sensato ou não.
A questão era que um caso amoroso costumava ser uma relação pouco duradoura
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e Gray era cada vez mais importante para ela.

Tão importante que numa só manhã passara de pensar que ia deixar de vê-lo para reconhecer que tinha sonhos a longo prazo em que ele estava envolvido. Sonhos de anéis.
Sonhos de casamento e mais filhos.

Não lhe podia dizer. Era verdade que ele falara de futuro, mas não dissera nada concreto.

Estaria a pensar no mesmo que ela? Imaginou que a única forma de o saber seria esperar para ver o que acontecia.
Capítulo Oito

- Fica mais um bocado - levantou-a do seu colo com uma facilidade que a emocionou intimamente.

Ele ajeitou um pouco a roupa e foi até à porta.

- Não posso - disse ela enquanto esticava a saia, sentindo-se imoral ao sentir a sua pele nua ao ar. O Michael deve estar a acordar.

Ele assentiu com a cabeça.

- Está bem. Acompanho-te a casa.

- Não - disse ela com cansaço. - Não é preciso. Patsy podia estar na cozinha e se os via chegar juntos... perceberia tudo. A sua roupa interior era um monte enrugado
e decidiu vestir só as cuecas e ficar com as pernas nuas.

Gray observava-a de testa franzida.

- Tens vergonha do que aconteceu? De nós? Ela ficou paralisada.

- Não é que esteja envergonhada, exactamente, só estou... incómoda. Não estou acostumada a esconder-me, mas também não estou preparada para que Patsy saiba que estamos
juntos.

-Juntos? - Gray riu-se. - Catherine... A Patsy não é cega. Certamente, ontem não desceu de propósito.

Ela olhou-o fixamente.

- Falas a sério?
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Gray abraçou-a e acariciou-lhe as costas.

- Tenho a certeza. É possível que Patsy seja mais velha, mas não creio que se tenha esquecido do que é estar... interessado em alguém.

Ela resmungou e apoiou a cara no peito dele.

- Estou toda desarranjada. Que pensará?

Que és uma mulher jovem que não deveria passar sozinha o resto da sua vida; que está contente porque és feliz; que és uma sortuda por ter um garanhão atraente e
viril como eu.

Ela levantou a cabeça sem poder conter o riso e deu-lhe um murro no peito. -A sério... Gray segurou-lhe o punho antes de o atingir.

Digo algumas coisas a sério - o olhar escureceu-se. Digo a sério que és a mulher mais bonita que conheci na minha vida.

Ela sorriu.

- Talvez sejas parcial.

- Talvez.

Ele sorriu com um brilho nos olhos azuis e pôs-se a cantar uma canção que falava da beleza de uma mulher.

Catherine sentiu um arrepio em todo o corpo. Mike adorava aquela canção e cantava-a com frequência. Ela ainda tinha o CD algures, mas nunca mais o ouvira desde a
sua morte.

Gray ficou calado e olhou-a.

- O que se passa?

- Eu... o Mike estava sempre a cantar essa canção - estava demasiado impressionada para dissimular.

Os olhos de Gray perderam a expressão e o seu gesto tornou-se sério.
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- Desculpa - disse com um tom seco enquanto afastava as mãos.

Não... surpreendeu-me. Na verdade, fazes e dizes muitas coisas que me lembram dele.

Ele arqueou as sobrancelhas.

- Queres dizer que estás comigo porque te lembro dele? Ele juraria que a sua voz parecia algo ofendida, embora a sua cara fosse inexpressiva e a sua atitude fosse
a de um homem a quem a resposta não importava.,

Claro que não. É uma tontice. ']

É? Que tem de tonto que a mulher que começo a amar esteja comigo só porque lhe pareço familiar?

O rosto foi mudando à medida que falava e tornou-se ainda mais distante. Ela percebeu que se tinha arrependido do que dissera. - É uma parvoíce porque não é verdade
- disse ela tranquilamente sem desviar o olhar da sua face. É uma parvoíce porque a mulher que começas a amar acha que também te começa a amar e isso assusta-a.

Os seus olhos suavizaram-se.

- A sério? - tornou a abraçá-la e beijou-lhe a testa antes de se desviar um pouco para olhar para ela. - Desculpa se exagerei. Sinto-me em desvantagem, como se tivesse
um rival com quem nunca poderei competir.

- Não tens um rival - Catherine inspirou. Às vezes parece que me conheces demasiado bem para o pouco tempo que estamos juntos. Mike... O Mike amava-me, mas nunca
me entendeu realmente; as minhas esperanças, os meus sonhos...
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Queria ter-me numa torre de marfim, como estivera a sua mãe toda a vida. Nunca entendeu que para mim fosse importante participar no que se passava à minha volta,
ser diferente - sorriu forçosamente. - Teríamos tido uma discussão por causa do meu trabalho. Ele tê-lo-ia detestado.

- Mas tu gostas.

- Sim.

Parecia-lhe uma traição, mas era verdade. Mike não chegara a saber o que havia sob a sua superfície. Gostaria que fosse a todos os actos sociais como a sua mãe,
que se oferecesse como voluntária para obras que não fossem nem demasiado sujas nem exigentes, que fosse uma mãe a tempo inteiro e satisfeita com o educar os seus
filhos... As duas primeiras coisas tê-la-iam assustado. A terceira... Adorava ser mãe, mas também adorava o desafio que supunha o seu trabalho e sentir-se-ia incompleta
se não fizesse algo parecido. Gray entendia-o. Como a entendia noutros aspectos. Às vezes parecia que sabia o que ela estava a pensar antes que abrisse a boca.

- Conheço-te só há umas semanas - disse ela com a voz vacilante apesar do esforço que estava a fazer para não perder a calma, - e já te imagino como parte da minha
vida... durante muito tempo. Tudo o que descubro de ti faz com que goste de ti cada vez mais.

- Muito bem, então...

Ela tapou-lhe a boca com a mão.

- Mas tenho de pensar no Michael, Não posso cometer erros que o possam afectar. Temos de ir devagar. Percebes?

Ele assentiu com a cabeça e ela notou que lhe
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estava a dar um beijo na palma da mão. Ele desviou-lhe a mão, mas não a soltou.

- Obrigada pela tua sinceridade - o peito subia e descia-lhe. Há uma coisa que também te quero dizer.

- Não poderia ficar para mais tarde? - era estranho deixá-lo com a palavra na boca quando a olhava com uns olhos tão azuis e sinceros. A sério, tenho de voltar para
casa. - Claro - soltou-lhe a mão. - Acompanho-te um pouco. Prometo que não deixo que a Patsy me veja.

Três dias depois, Gray dirigia-se para a casa e disse-se que era um cobarde. Perguntou-se se Catherine percebera o alívio que ele sentira quando lhe pediu que adiasse
o que tinha para lhe dizer. Mesmo assim... esteve prestes a dizer-lho. Queria fazê-lo, mas estaria ela preparada para ouvi-lo?

Claro que não estava. Como haveria alguém de estar preparado para ouvir semelhante coisa? Ela dissera que começava a amá-lo e ele só podia rezar para que esses sentimentos
fizessem com que ela o perdoasse por a ter enganado, que lhe permitissem aceitar que Mike era parte dele e que sempre o seria.

Tentou não pensar até que ponto Mike seria parte dele. Como lho podia dizer? Ela pensaria que estava louco. Naturalmente, isso dependia de alguma vez ter oportunidade
para falar com ela. Ele tinha esperado poder passar um bocado sem interrupções, mas isso parecia um bem muito escasso na casa dos Thorne.
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Tinha jantado ali duas noites antes, mas Michael tinha tido um pouco de febre e ela não quisera deixá-lo sozinho. Além de que, nessa semana, ela tinha trabalhado
horas extra porque estava a preparar uma recolha de fundos e queria supervisioná-la.

Nessa noite pensara pedir-lhe que fossem jantar fora de casa. A ser possível, no dia seguinte ou no outro. Era a única forma de estar seguro de que teriam tempo
para falar. Tempo que iriam necessitar quando lhe contasse sobre o transplante de coração.

Bateu à porta e ela abriu, mas Patsy e Michael estavam logo atrás e conformou-se com dar-lhe a mão.

O jantar foi muito agradável e depois ajudou-a com o banho do menino. Desta vez participou no chapinhar e foi ele quem ficou com a camisa empapada. Olhou para Catherine
por cima da cabeça do menino e comprovou nos seus olhos que estava a lembrar-se do que acontecera na primeira vez.

Permaneceu em silêncio enquanto ela adormecia Michael e depois saiu para o corredor com ela. Desejava-a. Ela foi em direcção às escadas, mas agarrou-lhe a mão e
atraiu-a para si segurando-lhe as mãos nas costas com uma das suas. A posição fazia-a arquear-se contra ele e gritou de surpresa quando ele a beijou com ânsia e
lhe acariciou as ancas e um seio com a mão livre.

- Desejo-te - disse-lhe quase sem desviar a boca. Vem comigo para a minha casa esta noite. Dorme na minha cama. Desperta nos meus braços.

- Não... posso - disse ela num fio de voz.
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Ele sabia que não podia. Não esperava que deixasse Michael só ainda que Patsy estivesse por perto.

- Irei um bocado - sussurrou ela.

Gray queria que o fizesse, mas também que não o fizesse. Detestava ter de comportar-se como amantes furtivos.

Depois, quase não recordou como chegaram a sua casa. Levou-a para o quarto às escuras e, sem acender a luz, tirou-lhe a roupa e despiu a sua. Em breve lhe contaria
do transplante, mas essa noite... tinha de guardá-la na memória.

A cama era grande e suave e a lua resplandecia delicadamente na escuridão. Gray apercebeu-se que lhe tremiam as mãos enquanto a deitava na cama e a abraçava para
a beijar com toda a sua alma. Catherine respondeu da mesma maneira, apertou o seu corpo nu contra ele e passou-lhe as mãos pelo cabelo.

Gray não conseguiu esperar mais. Deitou-se de costas e pô-la a cavalo sobre ele. Não pôde reprimir um grunhido de prazer ao sentir as pernas dela nas suas costelas
e o seu húmido e delicado montículo sobre a sua pungente erecção.

- Possui-me - disse-lhe. - Possui-me agora, coração.

Catherine levantou um pouco os joelhos, inclinou-se ligeiramente para a frente, acariciou-lhe o peito com os seus seios e beijou-o na boca. Nesse mesmo instante,
ele notou que se encontrava perfeitamente colocado ante a sua fenda e antes que pudesse mover-se, ela deixou-se cair com um movimento preciso e envolveu-o com o
seu canal apertado e deslizante.
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Esteve quase a sucumbir face à intensidade da sensação e teve de fazer um esforço para ficar quieto enquanto ela se movia em cima dele. Ela ia apoiar as mãos no
peito e Gray reagiu a tempo de as agarrar e entrelaçar os dedos. Os seus rasgos iluminavam-se com o prazer que sentia. Ao observá-la na penumbra e ao saber que lhe
estava a dar prazer, Gray sentiu que perdia o controlo.

Pegou-lhe os quadris, manteve-a bem em baixo e começou a investi-la com um ritmo desenfreado que o levou até ao limite em questão de segundos. Notou que ela começava
a perder a compostura e a sacudir-se, que os seus músculos mais íntimos se expressavam com os inconfundíveis espasmos do prazer. Gray não pôde evitar um grito de
êxtase.

Deixaram-se ficar deitados. Ela estava abraçada por um braço de Gray, tinha uma perna cruzada sobre as dele e a mão na de Gray, apoiada no seu peito. Ele sentia-se
aturdido de prazer, mas recuperou-se ao recordar-se do que tinha de fazer. Em breve teria de contar-lhe. Não podiam fazer amor sempre às escuras ou meio vestidos.

Fazer amor... Era tão fácil para ele reconhecer. Amava-a. Certamente, amava-a desde que a vira pela primeira vez no baile; certamente, desde que o coração de Mike
Thorne começara a bater no seu peito.

Porém, era indiferente. O que importava era o que fizesse com o futuro que lhe tinha sido predestinado.

Vamos jantar fora amanhã à noite - disse impulsivamente.
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Compraria um anel e pedir-lhe-ia que se casasse com ele. Tudo o resto se resolveria por si próprio.

No entanto, deu-se conta de que ela não tinha respondido e ficara tensa. Apoiou-se num cotovelo e tentou decifrar a sua expressão, mas estava demasiado escuro.

- Catherine...

Por que não jantamos aqui tranquilamente? Gray ficou espantado.

- Porquê? Gostaria de sair contigo e que outros cuidassem de nós baixou a voz. Gostaria de ter-te só para mim durante umas horas.,.

Eu... ela hesitou e ele sentiu que a intranquilidade nascia dentro de si. - Eu preferia não ir a lado nenhum. Podemos estar sozinhos aqui.

Não queres que te vejam comigo em público, não é isso?

-Não é isso...

- Então, vamos jantar fora.

Era um desafio e ela manteve-se em silêncio.

- Não compreendo - disse ele. Garantes que não é para não te verem comigo, mas fizeste tudo o que pudeste para não ir a lado nenhum onde pudessem ver-nos - esforçou-se
para que não se notasse a sua fúria. - Eu sei que não tenho sangue azul, mas pensava que gostavas de mim.

Eu amo-te! - exclamou Catherine, - mas as pessoas disseram as coisas mais horríveis de mim quando me casei com Mike e não suportaria se voltassem a fazer o mesmo.

- Que coisas horríveis? continuava sem compreender.

Que eu era uma caça-fortunas disse amargamente. Que me casei com ele pelo seu dinheiro;
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que tinha feito todo o tipo de imoralidades para casar-me com ele. Se na altura disseram tudo isso, imagina agora o que gozariam se soubessem... Parou bruscamente.

- Se soubessem o quê? - tinha a certeza de que isso era a chave.

- Que estamos quase arruinadas - respondeu com tristeza.

Nunca esperaria essa resposta. -Vocês... tem problemas económicos?

- Mike teve problemas - respondeu ela com uma certa irritação no tom de voz. - Eu não tenho dinheiro, só os problemas que ele me deixou.

Gray compreendeu tudo. Os cupões, o trabalho, a venda do cavalo de Mike, todo o trabalho que ela fazia em casa e o jardim...

Que se passou? - perguntou-lhe secamente.

O seu pai tinha sido um jogador que lhe fizera passar momentos horríveis na sua infância. Sentiu que a ira tomava conta dele. Como pôde Mike fazer-lhe algo assim?

- Não foi por culpa sua - defendeu-o Catherine. -Já sabes a crise económica que houve. Não sei o que se passou exactamente, mas fez alguns maus investimentos. Só
sei que quando morreu não tinha quase nada. Tinha perdido até o seguro de vida.

Estava demasiado impressionado para falar.

- Não podes contar a Patsy - disse ela de imediato. - Por favor. Ela não sabe realmente o quão grave é. Tentei que compreendesse que temos de ter cuidado com os
gastos, mas...

- Não se tem esforçado muito - Gray terminou a frase assim que se lembrou dos convites de Patsy para jantar.

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Pelo menos isso justificava as caras de espanto que Catherine fazia. Devia estar a calcular mentalmente quanto custava alguém do seu tamanho.

- Não consegue evitar - desculpou-a Catherine. O que incomodou Gray. - Nunca teve de preocupar-se com o dinheiro. Custa-lhe compreender a gravidade do assunto.

- Terá de fazê-lo - disse Gray, inflexivelmente. Tu estás a esforçar-te muitíssimo, mas não serve de nada se ela não se dá conta de que também tem de fazer sacrifícios.

- Nem te passe pela cabeça dizer-lhe alguma coisa. É a minha família e eu farei o que achar melhor.

- Mesmo que isso acabe contigo - disse ele num tom mordaz.

Ela ficou tensa e separou-se dele, levantou-se da cama e procurou a roupa. Gray deixou-a procurá-la e fechou a camisa, consciente, como sempre, da cicatriz que lhe
cruzava o peito. Vestiu as calças e ligou o candeeiro da mesa de cabeceira.

Catherine piscou os olhos, mas não parou de mexer-se um só instante.

Volto para casa - disse com uma voz distante e implacável.

- Catherine... Temos de falar disto.

- Não há nada para falar.

Claro que há - sentiu um gosto amargo na boca. - Queres deitar-te comigo, mas não estás disposta a que te vejam comigo porque alguém pode pensar mal de ti. É um
disparate!

A cara de Catherine perdeu toda a expressão.

- Não é. Tenho de proteger o meu filho.

Ao teu filho não lhe importa nada o que os
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outros pensem - argumentou com indignação e quando tiver idade para se importar, ninguém lho lembrará nem se importará.

- É possível que dentro de uns anos tenha conseguido uma situação económica que me permita não ter a sensação de estar a aproveitar-me do teu dinheiro.

- É disso realmente que se trata, não é? - estava furioso. - É a tua percepção do que podem pensar as pessoas. O que tu sentes. Santo Deus! Realmente pensaste em
esperar anos para casar-te comigo por um motivo tão ridículo quanto esse?

A cara de Catherine, que já parecia de porcelana, perdeu a pouca cor que lhe restava.

- Casar-me? perguntou num murmúrio.

- Que achavas que estava a oferecer-te? - perguntou-lhe com um tom cortante. - Um acordo sexual a longo prazo? Não, obrigado rodeou-a e abriu a porta do quarto.
Acompanho-te a casa.

Não falaram durante três dias. Catherine ajoelhou-se para plantar algumas flores que trouxeram um pouco de cor.

Michael jogava à bola a uns metros dela. Ele já tinha olhado para ela algumas vezes e perguntara-lhe por Mac.

Ela tinha sentido uma flecha no coração com cada pergunta.

Gray queria casar-se com ela.

Os olhos enchiam-se-lhe de lágrimas de cada vez que se lembrava da discussão que tivera com ele.

Ele queria casar-se com ela. Pelo menos, queria
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fazê-lo até que se deu conta de quão obcecada estava com o seu problema económico. O qual, depois de pensar no assunto, não lhe parecia assim tão grave como acreditara.
Como decidira acreditar, disse-se, furiosa pela sua estreiteza de vistas.

Sobretudo se tinha em conta que podia ter acabado com a possibilidade de ser feliz para sempre com ele. Ele...

- Michael! - o grito de Gray ouviu-se ao longe. -Não!

Catherine voltou-se ao dar-se conta de que se tinha abstraído durante demasiado tempo. Michael estava no fundo do jardim à beira da piscina abandonada. A piscina
que não tinha enchido nesse Verão porque era demasiado caro mantÊ-la. A piscina que, comprovou com horror, se via claramente através da cerca que tinha a porta aberta
de par em par. Tê-la-ia deixado aberta quando tirou as folhas no dia anterior? Não tinha a certeza, mas 'temia tê-lo feito.

Levantou-se enquanto Gray se aproximava, vindo da casa, correndo a toda a velocidade.

- Mi...cha...el!

Catherine não sabia que conseguia gritar tão forte.

Gray chegou à piscina antes dela e assomou-se à beira. Levantou-se no mesmo momento.

- Chama as urgências - ordenou a Catherine.

- Está a respirar? - ela ficou presa ao chão, debatendo-se entre ir até onde estava o seu filho e a necessidade de procurar ajuda médica.

- Depressa!

A voz foi como um chicote e ela voltou a correr

para casa.
137

- Patsy! - gritou ao entrar.

A sua sogra apareceu precisamente quando se pôs em contacto com as urgências. Viu que a cara de Patsy mudava de cor quando compreendeu o que se passara. Depois de
transmitir a informação inicial, passou o telefone a Patsy e voltou a correr para a porta depois de ter agarrado duas toalhas de banho pelo caminho.

- Querem que haja alguém ao telefone. Não podes afastar-te muito ou a chamada cai.

Voltou à piscina e desceu pelo lado menos profundo. Felizmente havia um metro em vez de quatro. Gray estava de joelhos com o pulso do menino na mão. Michael estava
aterradoramente quieto. Tinha sangue sob a cabeça e ela reprimiu um grito ao vê-lo.

- Não o mexas - disse-lhe Gray firmemente ao ver que ela ia tomÁ-lo nos braços.

Ela tapou-o com as toalhas apesar do calor que fazia.

O tempo passava com uma lentidão desesperante. Michael respirava, mas não dava sinais de recuperar a consciência.

- Vamos, amiguinho, acorda - disse Gray. Uma ambulância chegou ao fim do que seriam uns minutos, mas pareceram-lhe horas. Patsy também se aproximava a correr.

Os médicos mantinham a calma e transmitiam dados a uma central com toda a eficiência enquanto imobilizavam o pescoço do menino e lhe controlavam os sinais vitais.
Trouxeram uma maca e, com muito cuidado, puseram nela o menino. Gray agarrou a cabeça com uma expressão de desespero igual à que presumia que ela tinha.
138

Catherine viu Aline no caminho enquanto subia para a ambulância e saiam para o hospital entre os uivos da sirene. Patsy já estava no carro e Gray pegou nas chaves
que lhe deu Aline mesmo antes de sentar-se no banco do condutor.

Estavam a descer Michael da ambulância quando Gray e Patsy chegaram a correr. Uma enfermeira cortou-lhes o caminho quando quiseram entrar.

- Só familiares - disse ela. - Há uma sala de espera ali - apontou uma pequena sala.

Catherine sentiu que Gray hesitou e ela olhou para ele.

- Preciso de ti - disse sem importar-lhe o que poderia parecer nem o que ele pensasse.

Eu espero disse Patsy.

Seguiram a enfermeira. Quando ela afastou uma cortina, o médico estava a dar pontos na cabeça de Michael. Havia sangue por todos os lados e Catherine levou uma mão
à boca para conter um grito.

- Deveria tê-lo vigiado com mais atenção - disse com a voz quebrada. - Estava distraída e...

- Foi um acidente - disse Gray com calma. Este diabinho é muito rápido e muito esperto. De certeza, esperou até que não estivesses a olhar. Tem uma cabeça muito
dura. De certeza que ficará bem.

As palavras quase destruíram o controlo de si mesma que estava a manter.

- Mike falava sempre em ter filhos com a cabeça bem dura - disse-lhe, tentando esboçar um sorriso.

Gray ficou sério e Catherine teve a impressão
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de que se incomodava sempre quando falava de Mike.

- Vamos a ver o que diz o médico replicou ele, inexpressivamente.

Levou-a ao lado onde podia consolar o seu filho e o rapaz ficou tranquilo quando viu a sua mãe.

- Pusemo-lo sob anestesia explicou-lhes o médico enquanto cosia a ferida. - Vai ficar com uma boa marca. Assim que acabar, levamo-lo para cima para que lhe façam
umas radiografias e um raio-X à cabeça.

- Acha que está em coma ou que fracturou o crânio? - perguntou-lhe Gray.

- Não há sinais de que tenha tido mais lesões tranquilizou-os o médico, - mas convém tomar precauções.

Gray fez algumas perguntas mais que ela só ouviu parcialmente porque estava concentrada em consolar o seu filho. Deixaram-na ficar com ele enquanto lhe faziam os
testes e Gray desceu para a sala de espera para tranquilizar Patsy.

Seis horas mais tarde, deram alta a Michael ao comprovar que não havia danos. Gray levou-os a casa e entrou com Michael nos braços. Catherine reparou que ele ficava
emocionado quando beijava na testa o seu filho.

Dentro de uns dias estaremos a jogar à bola. Prometo-te.

Ela seguiu-o pelo corredor.

- Obrigada. Ele deve estar desejoso de jogar. Gray parou no alto das escadas e voltou-se para ela. O seu olhar reflectia pena.

Vou mudar-me. Virei jogar à bola com Michael,
140

mas esta semana deixarei a casa de hÓspedEs. Por favor, agradece por mim a Patsy.

- Mas... Já tens casa? - ela não estava à espera disto.

- Não abanou a cabeça. Arrendei uma.

- Por minha causa? - perguntou-lhe sinceramente. Gray, não é preciso ires-te embora. Eu...

Ele ja estava a descer as escadas.

-Já não aguento. Não podes deixar as coisas como estão?

Não, disse-se ela. Não podia. Não quando se tratava do seu futuro e do dele. Ele tinha dito que queria casar-se com ela. Não podia esquecer-se dos sentimentos que
isso significava, ou podia?
Capítulo Nove

Só conseguiu sair na manhã seguinte, quando Patsy foi falar com ela.

- Agradeceste a Gray? - perguntou-lhe a sogra. Catherine negou com a cabeça.

- Não, mas tenho de fazê-lo.

- Por que não vais agora? - apontou para Michael que estava deitado no sofá a ver um filme de desenhos animados. - Ele está bem e prometo-te que não lhe tiro os
olhos de cima.

- Sei que não tirarás mas hesitou e sorriu forçadamente. - Racionalmente, sei que ele está bem mas isso não tranquiliza o meu lado irracional.

Patsy sorriu.

- Sei como é. O seu pai caiu de uma árvore quando tinha nove anos. Levou quinze pontos. Custou-me muito a voltar a deixá-lo ficar sozinho.

- Compreendo - curiosamente, a história, que nunca tinha ouvido na sua vida, tranquilizou-a Sairei só por um momento.

Saiu pela porta da cozinha e percorreu o caminho até à casa de hóspedes. Estava um belo dia de Verão e viu que Gray tinha as janelas da sala abertas. As cortinas
brancas ondulavam preguiçosamente com a ligeira brisa. Passou junto a elas e olhou para dentro, parou e voltou a olhar.

Gray estava no sofá, profundamente adormecido.
142

Estava deitado de costas e tinha o peito nu. Agarrava a t-shirt com uma mão em cima do peito como se tivesse tido demasiado calor e a tivesse despido há poucos instantes.
A cara estava voltada para ela e sentiu que o coração se sobressaltava ao ver aqueles traços adorados. Pensou que o amava.

Sentiu algo como um fulgor e compreendeu que já não havia motivo para calar esse sentimento. Ele dissera-lhe que queria casar com ela, dissipara todas as suas estúpidas
preocupações com o dinheiro e tinha toda a razão. O mais importante era a vida dos dois juntos. Que interessava o que pensassem ou dissessem os outros?

Ela ofendera-o profundamente e sabia-o. Só poderia remediar a situação e rezar para que ele a amasse o suficiente para perdoá-la. Foi até à porta e esta abriu-se
quando bateu. Aproximou-se dele silenciosamente e ajoelhou-se ao seu lado. Tinha a t-shirt sobre o torso, mas conseguia ver o seu musculoso abdómen. Passou um dedo
precisamente por cima das calças. Os músculos contraíram-se e ela sorriu. Repetiu o gesto e brincou com os pelos que se escondiam sob os jeans.

Inclinou-se e beijou-o no braço que tinha cruzado sobre o peito, apoiou o queixo e esperou que abrisse os grandes olhos azuis.

- Lamento - disse ela. - Por aquilo do outro dia. Por... tudo.

Ele não disse nada. Os seus olhos estavam fixados nela. Por fim, quando ela ia balbuciar algo mais, ele falou.

- Desculpas aceites.

Era tudo? A pequena bolha de esperança que
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crescia dentro de si, começou a esvair-se. Mas tinha de continuar a tentar. Engoliu em seco.

- Gray, eu amo-te. Se continuas a querer casar comigo, sentir-me-ei a mulher com mais sorte do mundo.

Ele, lentamente, começou a esboçar um sorriso e a enrugar as pálpebras.

- Claro que continuo a querer-te - tranquilizou-a ele. - Nada me daria mais prazer.

Ela ficou com o coração acelerado. Desejou beijá-lo, mas conteve-se porque sabia que tinham de esclarecer muitas coisas.

- Eu não queria - disse ela lentamente - que tu chegasses a pensar que me casava contigo para ter segurança económica.

Acredita em mim disse ele, - nunca pensei que precisasses de mim por um motivo económico. Além disso, agora que sei a verdade do que se passou depois da morte de
Mike, tenho a certeza de que não precisas de mim. Evitaste a ruína graças à tua acção cuidadosa - disse. - Eu não tenho nenhuma objecção a que a minha mulher trabalhe.

- Mike tinha. Tivemos algumas discussões horríveis porque eu queria trabalhar - ficou séria ao recordá-lo. - Tenho a sensação de estar a traí-lo ao dizê-lo. Eu amava
o meu marido, mas ele estava muito satisfeito por eu ser uma dona de casa que só se dedicava a acontecimentos sociais e obras de caridade - fez uma careta. - É muito
fácil tratar duma casa quando se tem uma governanta, uma empregada e um jardineiro. Estava a ficar louca tentando adaptar-me ao meu papel - estendeu as mãos. - Para
Mike, Patsy era o exemplo a seguir.
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Eu sou muito diferente de Patsy. Não melhor, apenas diferente. Eu preciso de superar-me.

Talvez ele também tivesse uma visão algo limitada da sua mãe - argumentou Gray, pausadamente. - Patsy também pintava para superar-se. Seria, decerto, a sua forma
de escape.

Ela nunca pensara nisso assim e ficou pensativa.

- Provavelmente, tens razão. Mesmo assim, pergunto-me muitas vezes onde estaríamos se Mike fosse vivo. Antes ou depois, teria de falar-me da nossa situação económica.

- Tenho a certeza de que o teria feito - Gray olhou-a nos olhos. - Estive a pensar no que se passou e não acho que ele quisesse enganar-te. Acho que apenas tentava
proteger-te. Ele sabia o que tinhas sofrido com o teu pai e não queria preocupar-te. Estou certo de que ele achava que havia tempo para que as coisas voltassem ao
seu lugar. 'Ninguém espera que tudo acabe quando se tem trinta anos.

Talvez tenhas razão.

Ela achou que tinha e isso fez com que se sentisse menos traída por Mike.

- Claro que tenho - sorriu, ao ver que ela semicerrava os olhos e lhe passava os dedos pelas costelas. Ei, se queres digo-te um sítio melhor onde brincares com os
dedos.

Ela riu-se, ele agarrou-lhe a mão e colocou-a no abdómen.

- Que te parece aqui?

Ele limitou-se a emitir um grunhido.

Ela ficou com a respiração entrecortada enquanto introduzia os dedos sob o elástico das cuecas e lhe pegava com a mão.

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Gray emitiu um som indecifrável.

- É fantástico, querida.

Gray moveu-se ansiosamente e caiu-lhe a t-shirt que tinha sobre o peito.

Ela viu a cicatriz. Era enorme. Estava bem fechada, mas notava-se também que era recente.

- Santo Deus - exclamou ela enquanto passava a mão por toda a sua extensão. - Gray, não sabia...

Emudeceu ao ver a cara de Gray e compreendeu. Compreendeu!

Gray levantou-se bruscamente, abotoou as calças e vestiu a t-shirt.

Catherine...

Tens o coração de Mike, não é verdade?

O tom era seco e de incredulidade, mas as palavras exigiam uma resposta.

- Sim - a expressão era todo um tratado de culpa e ansiedade. Ia contar-te.

- Quando? Depois do casamento? - dessa vez, o tom já roçava a histeria.

- Não pretendia...

Já sabias quem eu era quando te apresentaste, não é verdade? Ele hesitou.

- Não é? - insistiu ela, imperiosamente. -Sim.

Como me encontraste?

- Sabia que o meu doador era um homem jovem de Baltimore. O obituário de Mike era o único que batia certo com a data respirou fundo. -Já estavas na minha cabeça
antes de conhecer-te. A tua cara, a tua voz... quando te vi, soube perfeitamente quem eras.

Impossível.
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Ela afastou-se, mas não se levantou porque parecia-lhe que as pernas não a suportariam. Gray riu-se, mas foi um riso forçado.

- Não acreditas em mim?

- Estás a mentir - assegurou ela, furiosa. - Alguém te disse quem eu era. Patsy sabe disso ou também a enganaste a ela?

- Claro que não sabe - parecia sinceramente perturbado. Suspirou e abriu uma mão. - Catherine...

- Não me toques Catherine rangia os dentes e tentava assimilar aquela verdade horrível. - Não me toques nunca mais - conseguiu pôr-se em pé e foi até à porta. Não
me interessa se a tua casa está terminada ou não, mas quero que te vás embora. Hoje.

- Não - replicou ele. - Não até me escutares.

- Vai-te embora! foi um grito que não conseguiu controlar. Ligarei para o hospital. Ligarei para a polícia e digo-lhes que estás a perseguir-me.

Foi até à porta aos tropeções e sem conseguir ver por causa das lágrimas que lhe caíam dos olhos.

- Amo-te - disse ele. Isso não podes evitar.

- Não sabes o que é o amor - disse ela com amargura. - Só queres a família de Mike, a vida de Mike e a mulher de Mike.

Gray vacilou, mas não desviou o olhar de Catherine.

- Amo-te a ti, Catherine. Não só de agora, mas de sempre.

Ela abanou a cabeça e abriu a porta. Jamais.

Correu até casa e entrou na cozinha. Patsy estava a preparar uma chávena de chá.
147

A sua sogra voltou-se.

- Michael continua a dormir... Que se passa, querida?

Tinha uma expressão assustada.

Não podia dizer-lhe! No entanto, caiu-lhe a alma aos pés ao perceber que tinha de fazê-lo.

Fiquei a saber de algo que não sabia sobre Gray.

Fez um esforço enorme para que a voz não lhe faltasse e cravou as unhas nas palmas das mãos.

- Patsy...

- O que é...? - pegou-lhe nas mãos.

- Há uns anos fizeram-lhe um transplante de coração. Gray tem o coração de Mike.

Patsy não reagiu e Catherine perguntou-se se teria compreendido o que lhe tinha dito, mas, subitamente, a cara de Patsy iluminou-se com um resplendor que Catherine
nunca antes vira, nem sequer quando Michael nascera.

- Senhor... - sussurrou. - Obrigada! - apertou as mãos de Catherine com tanta força que a magoou. - É maravilhoso! Sempre desejei com toda a alma conhecer a pessoa
que tinha o coração de Mike e é Gray... - interrompeu-se de repente e esbugalhou os olhos. - Não nos conheceu por acaso, pois não? - perguntou, mais defraudada.

Catherine negou com a cabeça, incapaz de articular uma só palavra.

- Querida... Tenho a certeza que tem um motivo de peso - disse Patsy. - Mesmo assim, é como se tivesse traído intencionalmente a tua confiança.

- Foi o que fez - afirmou Catherine, implacável. - Mentiu por omissão.


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Como fizera Mike ao não contar-lhe a verdade sobre a sua situação económica.

Mas... - Patsy não conseguiu continuar ao ver a desolação no rosto de Catherine. - Dá-lhe um pouco de tempo - propôs-lhe. - Não faças nada irreflectidamente.

- Não vou fazer absolutamente nada.

Catherine voltou-se e saiu da cozinha tentando sufocar um choro que sabia que nasceria a qualquer momento.

Não sabia se lhe apetecia não o ver novamente ou dar-lhe uma bofetada por tê-la enganado. Impressionou-a o mero facto de estar furiosa o suficiente para bater em
alguém; não era uma pessoa violenta. Não queria pensar nisso nessa manhã, mas até tinha sonhado com isso. Acordou com o queixo a doer-lhe de tanto ranger os dentes.

"Já estavas na minha cabeça antes de conhecer-te".

Tinha a certeza de que Gray queria dizer exactamente isso e lembrou-se da dezena de situações sem importância nas quais se sentiu desconfortável porque parecia que
ele podia ler-lhe os pensamentos.

- Como é possível? - perguntou-se, com um fio de voz.

Queria que não se tivesse passado nada daquilo; não queria voltar a ver aquela expressão de medo e de remorso na sua cara; não queria voltar a perguntar-se se o
que ele dizia era verdade. Queria voltar àqueles momentos de felicidade antes de lhe cair a t-shirt.
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Mas não podia.

Sabia que Patsy tinha ido vê-lo, embora não tivesse referido isso. Tinham passado oito dias desde que soubera a verdade, mas reparara que ele entrava e saía de carro
e que havia luzes na casa. Dissera-lhe para se ir embora. Depois do que tinha feito, poderia ter a consideração de obedecer-lhe.

Que tinha feito ele assim de tão horrível? - perguntava-lhe uma vozinha na sua cabeça. - Tinha o coração do seu marido, mas também não tinha alternativa. Além disso,
se o que dizia das recordações fosse verdade, dificilmente teria resistido a olhar para uma mulher como ela. Ele dizia que a queria, que queria casar-se com ela,
que tinha isso de mau?

Não era tão fácil assim, opôs-se, furiosa. Como sabia que dizia a verdade? Como sabia que não tinha estado a fazer perguntas por aí e que tinha recolhido uma série
de informação pessoal?

Não o sabia.

No entanto, nessa quarta-feira, quando entrou na garagem, teve a oportunidade de sabê-lo.

Estacionou no lugar do centro mas, quando saiu do carro, a luz que vinha da porta aberta diminuiu. Voltou-se, pensando que seria Patsy ou Aline, mas a sombra era
muito maior.

- Catherine...

Ela ficou parada, sem vontade de aproximar-se.

- Imagino que quererás fazer-me algumas perguntas - falava com uma voz neutra e calma.

Por que não te foste embora? perguntou-lhe agressivamente. - Disse-te para ires.

Não o farei até que falemos disto - o tom dele
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era inflexível. - Proponho-te um acordo. Se aceitares falar comigo, vou-me embora depois.

Não estás em condições de negociar.

Estou, se é que queres livrar-te de mim.

- Está bem - a ira dominava-a com a mesma força e amargura do primeiro dia. - Fala.

- Aqui, não.

Voltou-se e parou num miradoiro que havia ao lado.

Ela seguiu-o e sentou-se num dos bancos de pedra. Apesar de todos os sentimentos que lhe ferviam por dentro, Catherine apercebeu-se da beleza serena daquele lugar
sombrio.

- Que queres saber? - ele apoiou um pé no banco e o cotovelo no joelho dobrado.

- Nada - ela imaginava que teria a cara tão inexpressiva quanto a voz.

"Por que tiveste de fazer um transplante? Quando te deste conta de que te lembravas de coisas? De que mais te lembras?", perguntou a si própria.

- Não acredito que não queiras fazer-me nenhuma pergunta - ele falava despreocupadamente.

Na noite em que nos conhecemos ficaste surpreendido por eu ter um filho. Porque não o sabias.

As palavras brotaram-lhe da boca sem que ela desse autorização para sairem. Viu um brilho nos olhos de Gray.

- Surpreendido é pouco. Tu estavas há quase dois anos na minha cabeça, mas sem filho.

- Quando pensaste pela primeira vez que havia algo extraordinário?
151

Ele encolheu os ombros.

- Dois meses depois do transplante... - olhou-a como se pedisse desculpa... comecei a sonhar com a cara de uma mulher. A tua cara. Não eram apenas sonhos. Aparecias
na minha cabeça nos momentos mais inesperados. Depois, comecei a ver-te a fazer coisas concretas: plantando flores, com um vestido de noite preto, até a caminhares
para mim com um sorriso... mas tudo se tornou mais concreto durante os exames dos dois anos.

Que se passou? estava curiosa embora não quisesse estar.

- Vi no meu historial que o coração fora doado pelo hospital John Hopkins. Então, pesquisei no jornal de Baltimore porque sabia que a pessoa deveria ter vivido aqui
e tinham-me dito que o coração era de um homem jovem que tinha morrido num acidente. Foi fácil descobrir Mike hesitou.

- E que mais?

- Quando li o teu nome no obituário... olhou-a nos olhos e ela conseguiu perceber a comoção como se tivesse acabado de ocorrer... assim que li o teu nome soube que
eras aquela mulher.

- Presumiste - corrigiu-o ela.

- Não - negou com a cabeça - soube.

- Foi então que decidiste meter-te nas nossas vidas.

- Não - a voz continuava a ser calma, mas ela podia notar que estava a fazer um esforço para conter-se. - Só queria ver-te e saber se eras a cara que aparecia na
minha cabeça, mas quando te vi no baile... - encolheu os ombros. - Tive de conhecer-te.
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- Podes estar a mentir - a voz tremia-lhe. Como posso saber que não contrataste alguém para me vigiar e conseguir a informação que te era tão valiosa?

- Se o tivesse feito, saberia que Michael existia. Era uma lógica irrefutável.

- Não soube nada de concreto até te conhecer
- prosseguiu Gray.

- Por exemplo?

Coração. Era como ele te chamava. Eu nunca chamei isso na minha vida a nenhuma mulher.

Tinha a voz tão tensa como os nervos dela, mas não conseguia evitar pensar que se tudo aquilo era verdade, ele deveria ter passado muito mal.

- A tua cor preferida é rosa velho. Ele disse-te que queria casar contigo na cozinha da casa onde decorria a festa em que vocês se conheceram.

Falava a sério. Nem sequer Patsy sabia isso. Naquela altura, ela riu-se sem dar-lhe importância. Não voltou a lembrar-se até meses depois, quando Mike voltou a pedir-lhe.
Engoliu em seco.

- Como?

- Eu vi. Tu sorriste e fingiste não ligar - estendeu as mãos quando ela ficou boquiaberta. Há uma teoria...

- Alto - ela também estendeu uma mão e ficaram em silêncio. - Preciso de um minuto.

Conheço essa sensação - o tom era irónico. Ela baixou a mão e ficou a dar voltas à cabeça.

As consequências do que ele queria fazê-la acreditar eram assombrosas. Lembrou-se do outro dia no jardim.

- A primeira vez em que viste o Michael...

Fiquei espantado engoliu em seco. - Não estava
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preparado para sentir o que senti: orgulho e felicidade. Foi como se eu fosse o pai.

- E como explicas isso? perguntou-lhe bruscamente.

Não estava disposta a perdoá-lo por ter-lhe mentido, embora fosse por omissão, mas também não podia negar que a história era muito convincente.

Ele abanou a cabeça.

- Não posso explicar. Há uma teoria sobre a memória celular que está perto disto. Pensa-se que certas experiências ficam gravadas nas nossas células mas, mesmo assim,
nunca se registou algo tão pormenorizado como aquilo que tenho vivido. São conhecidos casos de pessoas que passam a gostar de uma comida que antes detestavam e que,
vai-se a ver, era a comida preferida do doador. Isso está documentado, mas que se tenham transmitido recordações concretas da vida do doador... - negou com a cabeça.
Tentei falar disso uma vez, mas os médicos pareceram não dar-se conta de quão nítidas são as recordações. Temi que pensassem que estava louco.

Ela assentiu com a cabeça.

- Não me admira - lembrou-se de outra coisa. Contaste a Patsy?

- Claro que não - respondeu, espantado. - Ela só está contente porque uma parte de Mike continua viva, de certo modo, e porque teve a oportunidade de conhecer-me.

Catherine sentiu-se aliviada.

- Menos mal.

Ele respirou fundo.

- Mike devia amar-te com cada fibra do seu corpo porque, senão, como teria eu sabido...
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- De facto - sentiu medo de aceitar o que lhe poderia propor. Nunca nos conheceríamos se não fosse a memória celular ou o que te trouxe aqui.

- Isso nunca poderás saber. Talvez, de qualquer maneira, me agradasse conhecer a família do meu doador - olhou-a com ternura. - Garanto-te que teria gostado de ti
mesmo que não tivesse as células de Mike a pressionar-me.

Ela hesitou.

- E se os teus sentimentos por mim só se devessem ao facto de teres o coração de Mike...

Viu que os olhos de Gray se alteravam enquanto ela falava e deu-se conta de que, até esse momento, ele não tinha a certeza de que ela fosse perdoá-lo. Ela também
não, mas também se apercebeu de que grande parte da sua fúria se tinha esfumado.

Ele não disse nada durante uns momentos e ela alegrou-se por ele não menosprezar a sua preocupação.

Não disse Gray, por fim. - Se apenas sentisse o mesmo que Mike, detestaria que trabalhasses fora de casa, mas eu não me importo nada com isso.

- Então, não sentes apenas o que Mike sentia. Ele negou com a cabeça.

- Isso também me preocupou ao início, mas agora... amo-te, Catherine. Eu, Gray. Terás de acreditar em mim porque nunca poderei demonstrar-to. Vou precisar deste
coração o resto da minha vida.

Ela engoliu em seco e quis lançar-se nos seus
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braços, mas aquelas palavras despertaram-lhe um novo medo.

- Quanto tempo? Quanto dura um coração transplantado?

Ela amara Mike e ele morrera, mas sabia que se aceitava o que Gay lhe propunha e depois ele morria, ela não conseguiria suportar.

- Tenho esperança de envelhecer ao teu lado, se partilhares a tua vida comigo - respondeu ele com um olhar a transbordar de carinho. - Actualmente, os receptores
levam uma vida normal e produtiva. Há um homem em Inglaterra que continua forte como um carvalho vinte e dois anos depois. Tens de ter em conta que há outros receptores
mais velhos que eu ou que têm outras complicações médicas - voltou a sorrir. - Temo ser uma espécie de cobaia para os meus médicos. Eu era um homem jovem e são e
recebi um coração jovem que todos esperamos que funcione bem durante bastante tempo.

- E a rejeição? Não podes ficar doente?

- Terei de tomar sempre medicamentos contra a rejeição e ir duas vezes por ano ao hospital para um exame - dizia-o com um tom de paciência, como se tivesse esperado
as perguntas, - mas a minha dose de medicamentos é muito baixa. Controlo-me a mim mesmo para ver sinais de pioras, tenho uma dieta saudável e não bebo álcool. Não
posso apanhar sol porque tenho um alto risco de cancro de pele e sou muito disciplinado com o programa de exercícios. Tirando algumas coisas, a minha forma de vida
não é diferente da de qualquer homem que tenhas conhecido, Catherine...
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Os outros homens não têm o coração nem as recordações do meu marido - assinalou Catherine com um sorriso.

Gray ergueu-se e levantou Catherine do banco..

-Amo-te, Catherine. Lamento não ter-te dito quem era desde o princípio. Quero casar-me contigo, ser o pai de Michael e, talvez, dar-lhe alguns' irmãos um destes
dias. Pensas no assunto? Não precisas responder-me agora. Sei que precisas de tempo para assimilar tanta coisa...

Sim tapou-lhe a boca com uma mão. Sabias que quando estás nervoso falas sem fazer sentido?

Ele assentiu com a cabeça e ela reparou que ele lhe beijava a mão.

- Amo-te - balbuciou Gray. - Esse teu sim quer dizer que vais pensar ou que...?

Ela afastou a mão e sorriu.

- Que me caso contigo.

- Quando queiras. Já sei o que pensas sobre anunciá-lo demasiado cedo e lamento muito ter reagido como fiz...

- Isso lembra-me que o grande baile de caridade de Patsy, a festa do lírio, é no próximo sábado. Gostarias de levar-me?

Gray fechou os olhos durante um segundo e quando voltou a abri-os, estavam húmidos. Estava visto que percebera a sua oferta de paz.

- Adoraria - abraçou-a e apertou-a contra si.

Que pensas fazer no resto da tarde? - perguntou-lhe antes de beijá-la.

Ela passou os dedos pelo cabelo dele e sorriu-lhe ironicamente.
157

Bem... estou um pouco cansada. Talvez fique em casa para descansar um bocado. Depois, irei com Michael comer um gelado. Que te parece?

Ele ja estava a desabotoar-lhe a camisa.

- Parece-me um bom plano.

Catherine pensou que aquilo que chamavam "festa do lírio" era certamente a festa mais bonita a que tinha ido. Patsy tinha razões para estar orgulhosa.

Do tecto desciam lustres. Em todas as mesas havia floreiras com lírios belíssimos e na mesa central havia uma escultura de gelo em forma de lírio. Havia arranjos
florais de lírios e outras flores no buffet, e tanto os músicos como todas as mulheres que estavam presentes receberam um lírio perfeito que puseram no cabelo.

- Apostaria tudo e mais alguma coisa como que toda a gente está a falar de nós - as palavras sarcásticas chegaram-lhe por cima da sua cabeça enquanto dançavam. Pareceu-me
ouvir a mulher com vestido roxo a dizer algo sobre uma espertalhona qualquer.

Catherine fez uma careta e bateu-lhe no braço.

- És horrível. Estava cheia de medo que as pessoas pensassem que eu estava atrás do teu dinheiro.

Gray riu-se.

- Só nós é que sabemos qual é a tua situação económica. Toda a gente pensa que és uma viúva rica. Provavelmente, pensam que ando atrás do teu dinheiro.

- Não me parece. Há algumas pessoas que conhecem
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a minha situação. O meu consultor financeiro, o meu advogado, o meu contabilista.

Eles não iriam dizer nada. Quem iria contratar um profissional que não sabe guardar uma informação confidencial?

- Falando de informações confidenciais... Hoje fui ao médico e disse-me que tenho de deixar a pílula se quero ficar grávida no prazo de um ano.

Gray arqueou as sobrancelhas e sorriu cautelosamente.

- É isso que queres? Ela sorriu-lhe.

- És parte desta família de mais maneiras do que as pessoas podem imaginar. Estou cheia de vontade de ter um filho com os teu genes.

Os seus olhos azuis brilharam, deu-lhe um beijo na cabeça e abraçou-a com tanta força que as pessoas já tinham motivos para cochichar, se não o estavam já a fazer.

- Amo-te - disse-lhe com um tom profundo e rouco. - Estarei sempre agradecido a Mike por ter-me dado o seu coração e prometo-te que enquanto continuar a bater vou
amar-te a ti, a Michael e a todos os filhos que venhamos a ter juntos.

Catherine fechou os olhos e encostou a cabeça ao ombro de Gray enquanto saboreava aquelas palavras. A mão de Catherine poisou sobre o coração que oferecera a ambos
uma nova oportunidade.


Digitalizado e corrigido por Fátima Chaves no mês de Maio de 2005

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